Outonos de minha infância
Das janelas envergadas de minha infância,
Avisto ao longe um tempo chamado esperança,
Guardado no sepulcro imortal das doces lembranças.
A vergasta cruel do tempo furtou-me a mocidade
Lançando-me ao degredo da mórbida saudade.
Suplico com veemência,
Afasta-se de mim velha imperfeita do tempo,
Teu nascimento criou descompasso,
Tirou-me do passo das inocentes cirandas
Sinto o cheiro das laranjeiras,
Ouço o barulho do vento descabelando o velho pé de ingá,
Fazendo suas folhas no céu azul bailar
Borboletas riscam o cenário com sua beleza,
Flertando com as flores, num arrojo de encantar.
Como é doce o licor da saudade de minha infância,
Enchem-me de torpor os sentidos,
Formando quimeras em abundancia.
O tempo livre de outrora aprisiona um pequeno anjo sem asas,
O berço do passado revela velhas cantigas,
Que embalam o pobre anjo no acorde de suas rimas.
Naquele lugar ainda vagueiam perdidos os vaga-lumes,
Os mesmos que iluminaram noites órfãs de lua.
O silencio faz barulho em meu peito,
Revelando a verdade que se apresenta nua,
Toca-me a face o beijo da noite, o beijo do medo.
Sinto o cheiro de terra molhada,
Em que meus pés um dia deixaram pegadas,
Ao longe ecoam os sinos da velha igreja,
Estão brindando, ou a vida, ou a morte,
Alguém lançado a própria sorte.
Vejo minha face estampada nas fachadas do tempo,
Meus pés descalços perdidos ao relento.
Quanto mais longe consigo ir,
Mais perto estarei do que fui, do que sou.
E quando cansada, exausta de mim, voltarei a sonhar.
Juntarei os cacos de vidro de velhos porta-retratos.
A paisagem então ficara mais clara,
Saberei onde meus braços irão repousar.
Os caminhos que me guiaram até aqui,
Guardam meus passos, meus charcos, meus laços,
Fios de cabelos presos nas arvores de jardim,
Sabem tanto de mim,
Embalaram-me nos veios do acalanto,
Guiaram-me pelos arrabaldes do encanto.
Onde estas? Onde estou?
Presa nas folhas de um outono em pranto,
Prostrada no altar sagrado do que de mim restou.