Saudades do amigo Rio
Em lembrança do (e) Rio Pomba
Há pouco lembrei do rio que há muito tomou meu corpo
Tinha enchido e transbordado pelo território que os homens roubaram dele
Pensei que ele poderia estar no sertão onde a terra chora pela água
O rio era grande e potente nos meus tempos de criança
Acabaram com ele
Eu nadava quando criança,
Ele era fundo ... muito fundo... muita gente até morria afogado
Afundava-me nele até quando não via mais a luz seca do sol.
Hoje ele é um córrego
As empreiteiras acabaram com a areia
Tiraram a vida
Queimaram os peixes
Deixaram a morte
Espantaram os insetos
A felicidade das crianças e a minha vontade de voltar a afundar no rio
A água continua por lá
Sozinha, já não é a mesma
Também já não sou
O meu coração dói
O rio levou parte de minha infância
Ajudou pela difícil passagem da adolescência
Carregou lágrimas de solidão
Fez companhia enquanto lembrava de minha amada
Acariciou o meu corpo e diminuiu a angústia e a dor
Agora adulto, pouco ou nada posso fazer
Não devo mais compartilhar minhas lágrimas
O rio chora sozinho
Cheio de esgotos humanos, animais mortos, tinta e...
Nada ficou para contar a história dele
A nossa história, a minha história.
O sol já não descansa como antes
A lua já não mais insiste em refletir o seu olhar
O rio morre e, com ele, eu também
A gotas de chuva que ainda caem lembram minhas lágrimas de amor romântico
Sinto muita falta do amigo rio
Mas ele já não suporta a companhia dos humanos
Não tolera as próprias lágrimas
Suas condições objetivas são agonizantes
Minhas lágrimas podem atrapalhar e deixá-lo mais triste do que está
Homens de poder o controlam
Retiram o ouro de sua alma
A prata do seu coração
A mansidão das correntes
Já não há mais som
A chuva cai e o rio reclama
Por isso joga suas lágrimas para fora
Ninguém mais o entende
Reclamam das suas enchentes
Mas é ele que reivindica o direito do espaço
Encarceramos o rio
Decretamos prisão perpétua
Desejamos a pena de morte
Ele resiste com dor
Sua alma não deve estar mais lá
Desistiu e não pode matar aqueles que ama demais
Deus é amor,
o Rio também.
Mas o eterno retorno para ele parece não existir
Muitos anos vão precisar,
mas os interesse dos donos do poder são maiores
e a areia, o sagrado cálice do rio, ainda está sendo retirada e pouco resta dela
As margens, espaço da alteridade, estão queimadas
As crianças se foram
Os adolescentes não choram mais nele
Adultos desistiram de pescar
O sol agora lhe queima
A lua o esnoba
Ele está só
E eu também