ANA
[aos moldes da poesia contemporânea]
Eu necessito inventá-la
toda manhã
porque só sua ausência
foi presente.
Tecê-la pictórica
— inventá-la —
como se o sol
nascesse desses olhos
entre as linhas das montanhas
da cidade,
compondo aos meus olhos
um mapa cego de luz.
— reinventá-la —
para poder dizer-lhe
neste instante
do crime:
tua beleza
assalta-me a razão.
E a realidade já não é
senão uma mímesis
de algum lirismo
xoxo...
capenga...
o que seja.
Mas é preciso pintá-la
com certo eufemismo:
a imponência dos anjos
não se emolda às retinas.
É necessário reinventá-la
à luz criadora presente
acima da ilusão das cores —
e não com as cores
(as cores, reinventá-las):
pois cores descascam
as horas,
inventam outros tempos,
amarelados de fusos.
Seria exigido mais
que as mãos à esculpir
o silêncio
do mármore.
Seria necessário criá-la.