O velho lampião de gás e os pirilampos*

A Zica Bergami, in memoriam

Ai, meu Deus, quanta saudade

Trago no coração

Da minha áurea idade,

Em que tudo era ilusão

E sonhos que a realidade

Bem cedo desfolhou,

E também daquela cidade

Que a enxurrada do tempo levou,

Mas que vive na saudade

Daqueles que a conheceram

E que nela viveram

De verdade ou em sonho:

Daquela bela Pauliceia

Que o vento inclemente do tempo levou,

Daquela São Paulo d’antanho,

Daquela “São Paulo calma e serena,

Que era pequena, mas grande demais”,

Com suas noites frias e garoentas

Em que ouvi lindas serestas

Sob a luz verde-azulada de um lampião de gás

“Que os anos não trazem mais”

E que tanta “saudade me traz”,

Como os pirilampos que brilhavam nos matagais

Às margens do Tietê tão limpo

Daquele saudoso tempo.

Meu Deus, meu Deus,

Onde está o velho lampião de gás,

Que tanta “saudade me traz”?

E “onde estão os pirilampos?”,

Os encantados pirilampos?

Morreram todos,

Morreram todos

Como a São Paulo em que viveram;

Morreram todos,

Ofuscados pelas novas luzes que brilharam

Na nova e gigantesca São Paulo

Que surgiu no lugar daquela “calma e serena”

São Paulo d’outrora, “que era pequena,

Mas grande demais"

E que tanta “saudade me traz”.

São Paulo, 12 de junho de 2014

*Poema lido pelo autor em 26 de setembro de 2024, em sarau em homenagem à artista plástica Cristiane Carbone, promovido pelo Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e pelo Instituto Olhar da Língua Portuguesa no Mundo e realizado na sede da primeira de tais instituições, na Capital Paulista.