O EMBORNAL DA VIDA

Eu voltei à minha terra

O torrão onde nasci

Lá estava tudo mudado

Quase não reconheci

Então eu fiquei pensando

Com meu peito chorando

Vendo tudo se destruir

Passando pelas estradas

Onde um dia era de chão

O asfalto tomou conta

Não contive a emoção

Era estrada boiadeira

Hoje já não tem poeira

Com a tal modernização

O carro-de-boi cantava

Apertado pelo chumaço

Mas com tanta invenção

O animal perdeu espaço

Sinto falta do passado

O avanço desordenado

Fez minh'alma em pedaços

Não vejo mais a boiada

Tocada por um peão

O gado é transportado

Em cima de um caminhão

O velho som do berrante

Marca um passado distante

E ecoa na imaginação

Eu tenho boas lembranças

Dos trabalhos que fazia

Meu pai segurava o arado

Eu lá na frente, na guia

Da labuta não reclamei

Certamente agora sei

Que já fui feliz um dia

Me "alembro" do paiol

Todo coberto de sapé

O nosso monjolo d'água

E o moinho de café

Nada disso resta mais

As finezas sociais

Não deixou nada de pé

Chegou a eletricidade

Abandonaram o lampião

No lugar do crucifixo

Botaram a tal televisão

Eu me sinto entristecido

Ali tá tudo invertido

Se acabou o meu sertão

Nem a água da biquinha

Já não dá mais pra pegar

Nosso ribeirão secou

Se acabou tudo por lá

Com a marcha do progresso

Na busca pelo sucesso

Fez sertão se estorricar

Todas as madrugadas

Antes do romper do dia

Um carijó batia as asas

Destampando a cantoria

Com tristeza hoje eu falo

Até mesmo o velho galo

Já perdeu sua alegria

Me recordo das cantigas

Das rodas e brincadeiras

A molecada correndo

Toda suja de poeira

Eu sinto o peito apertado

Pois tudo ficou no passado

E a saudade é verdadeira

Mamãe fazia biscoitos

Ali no forno de lenha

E dessa simplicidade

Tem granfino que desdenha

Mas te digo seu doutor

Tudo isso é muito amor

Que minha mente desenha

Quando do sertão parti

Deixei um chapéu de couro

Uma bruaca de sola

E uma espora de ouro

A batida da cancela

Mamãe me vendo da janela

O maior dos meus tesouros

Hoje dói meus pensamentos

Lá não posso mais voltar

Vejo tudo se perdendo

Está tudo fora do lugar

Deixo aqui o meu lamento

Eu não sei qual foi o vento

Que me tangeu de lá pra cá.

Nos terrenos dessa vida

Meu tempo passou ligeiro

Me roubou a juventude

Fiz do pranto companheiro

Vivendo aqui na cidade

O que resta é a saudade

No coração do roceiro

Poeta Ed. Soares 16/02/2022

Dedico este poema a todos os meus conterrâneos, remanescentes da comunidade do Fanado, em Capelinha -MG- Saudades...