Memórias de Retalhos
MEMÓRIA DE RETALHOS
Hoje, abri a cortina de retalhos
Que esconde a poeira das memórias, revivi ricas histórias
Encontrei minha boneca de pano
Ela era mais do que suficiente
Para acalmar ventos fortes
O medo das tempestades
A insegurança e a ansiedade
Meus diálogos internos
Eram ouvidos por ela
Palpitava
Brincava
Ria e me emocionava
Dizia-me sempre a direção
O certo e o errado
O sim e o não
Minha boneca de pano
Possuía os instintos de sobrevivência
Necessários à criança
Ela alertava-me dos perigos
De viver rodeada de gente e distante de mim mesma
A boneca de pano era um anjo
Cheirava a doce de leite
Bala de mel
Xarope de framboesa
Alegria e beleza
A saudade da infância
Buscou a cesta de retalhos
Tesoura, linha agulha
E pôs-se a costurar
Outra boneca de pano
Para sentar-se à janela
Fazer companhia
Observar e conversar
E ver a vida passar
Pronta, contei-lhe histórias
Rodopiei com ela nos braços
Cantei cirandas
Segredos da velhice e inspirações
A boneca de pano
Não reagiu
Seus olhos não brilharam
Não reviveu.
Decepcionada,
Embrulhei-a em papel dourado
Um pouco amassado
Saí para a rua
Crianças brincavam agitadas
Nas calçadas
Entreguei o embrulho a uma delas
A menina abriu o pacote
Com os olhos curiosos e admirados
E as duas: menina e boneca
Rodopiaram e dançaram abraçadas
- A Infância é o lugar
Onde bonecas de pano cantam.
Sônia Lorena Aver