Vovó

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Minha avó era letrada.

E sua letra era soberba.

Trabalhava nos correios,

E na posta-restante

Achava um alento

Poético. Profético.

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Era dada a gargalhadas

E histórias sobre flatos.

Cozinhava arroz no saco,

E se embalava na cadeira

Onomatopaica.

Em binário composto.

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Minha avó foi muito amada

Tinha o rosto parado

E o olhar lacrimoso

De avós com muita saudade

Das cirandas e fogueiras

Das camisas de flanela.

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Era dada a causos e piadas

E aos cabelos da índia.

De mãos dadas aos domingos

Era quem se enamorava

Ao amor tão antigo

E sempre novo de vovô.

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Ah! Que saudade eu tenho

Da minha avó tão querida,

E seus óculos pendurados

Pela corrente no pescoço

Sua fé, seu alvoroço

E sua genuína alegria.

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Em noite de fogueira

Faço uma prece a Nosso Senhor

Que não deixe faltar a vovó

O biscoito cozido e assado,

A bolachinha de goma

E uma bandeira do santo.

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Que no céu ela desfrute

De fogueira e balão

De forró, de quentão,

Coisas que ela tanto amou.

E na quadrilha do céu

Que ela dance com vovô.

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É noite de São João.

Vovó vai furtar a bandeira do céu

Vai mandar carta a Deus

Para no ano que vem

Devolver com cortejo,

Sanfona e emoção.

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E no posta-restante

Acho uma carta de vovó,

Dizendo que lá no céu

Tem dançado forró.

Que vovô está bem,

E sua alegria não terminou.

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Quando eu for morar no céu

Vou morar com vovó,

Vou ficar perto de vovô.

Vamos assar batata doce,

Jogar estalos de salão

E olhar para as estrelas.

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E sempre em noite festiva

Deixarei na posta-restante

Uma carta bem galante

Contando das aventuras

De dois velhinhos apaixonados

Que fazem do céu um primor.

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