CRIANDO MEMÓRIAS

O que me fez tão firme senão aqueles dias

Nadando no lago represado do meu avô

Guaribas gritando, maracajás

Maracás e som de viola.

A lida na roça era pesada

A enxada, o terçado, o machado

A esperança é a última que morre,

Diziam os de mais idade,

Mas eu não via ali tal esperança.

Era sonho de criança ganhar o mundo?

Mamãe cantava aquela melodia:

“Sonhos de menino
É crescer, ganhar o mundo
E depois dormir,

sonhar num sono mais profundo”.

Não sabia quem era o autor, interprete

Então Chico da Silva ganhou-me,

Mas pela voz de minha mãe, claro!

Que eu entendia de forma literal.

O mundo era duro, a lida

E eu fui moldado bruto

Tomando banho de açude

E comendo pirão escaldado

Com peixe pescado ali mesmo.

Tenho saudades das manhãs frias

Do afago de meu pai, poucas vezes

Quando penteava meus cabelos.

As mãos pesadas e calejadas

Eram duras, porém confortante

Pegava em meu queixo

E segurava firme

E aquele pente parecia tão suave

Era um relance de carinho,

Raro, diga-se de passagem,

Mas o suficiente para criar imagem,

Imagem na minha memória

E nesse momento de lembrança

O velho poeta chora emocionado.

JOEL MARINHO