Canção da saudade
(Rodrigues de Abreu)
NOSSA Senhora da Saudade,
à noite, quando eu penso, vem de manso
e traz raras essências do Passado,
para me dar descanso
e, cheia de piedade,
ungir-me o coração martirizado!
Nossa Senhora da Saudade,
que lembra uma velhinha doce, embala
docemente minha alma, docemente…
Canta com serenidade:
há carícias de amor na sua fala
que tem acentos de esperança
e maciez leve de arminho!
Minha alma embala tão pacientemente,
como se eu fosse uma criança,
como se eu fosse seu netinho!
De certo ela é branquinha
de tanto recordar…
os seus cabelos são brancos fios de luar!
E ela conta-me histórias do Passado,
do meu passado tão presente
na sua voz amiga e mansa.
Tão próximo ele está, tão ao meu lado,
que eu vivo no Passado e ouço, contente,
essa voz que é saudade da esperança!
Vejo os lugares, onde vivem essas
histórias de minha alma, tão ungidas.
Lugares da cidade onde eu nasci;
cidade de esperanças e promessas,
que, embora eu viva mais de cem mil vidas,
nunca eu hei-de esquecer, pois lá sofri…
Quando a Saudade docemente embala
minha alma, vou lembrando…
Ai quanta coisa enfim não lembra a gente:
numa tarde de opala,
um gesto leve e bom que é o que mais diz,
leve e bom, em soluços, acenando,
mas vivo na memória eternamente,
dizendo: “Sê feliz!”
Abre dentro de mim, branca Saudade,
com tuas mãos piedosas,
com tuas mãos de arminho,
regiões de lírios e de rosas!
Sobre um jardim de suavidade
eu sinto anjos de luz, de asas de ouro, revoando
ao pousarem as mãos, Saudade mansa,
no meu peito, de mansinho…
Saudade, eu sou uma criança…
Saudade, embala o teu netinho!
____________
Do livro “A Sala dos Passos Perdidos” (1924)