prece à memória
estive em um cemitério noite passada
carregava comigo um maço de vela
não pretendi iluminar túmulo algum:
o fósforo não foi encontrado
noite parada, a cidade se cala
e nascem os sons despercebidos
que notamos justamente
no absoluto isolamento
pisando numa grama tão verde e macia
cujo cheiro emanava em ondas
de devoto cuidado
aliviei o pé e o peito ao sentar
nada de sereno
nem nevoeiro
a dramaticidade estava
no comum da cena
um primeiro nome que pouco era dito
não era esquecido
apenas deslocado
lembrada por seu título
não sei ser séria, não com ela
que me acolhia com riso aberto
e brincadeiras infinitas
de quem volta a ser criança
de que me serve o sofrer
se em meu curto caminho
já ouvi de um grande guia
que não se precisa de tanto choro?
em voz alta falei sobre o quanto viver,
assim como morrer,
por ironia,
é desassossego
tanto é que essa reclamação
deveria estar lhe incomodando à beça
nem no pós vida conseguia se livrar
de toda a minha conversa fiada
ri das velas inúteis em minha mão
e, por inquietação,
as enfinquei no chão
sem pedir sequer licença
não há chama,
mas há oração
prece feita não por reza
e sim por memórias
há quem olha por mim
guiando quem vou me tornar
e há por quem eu devo olhar
guiando para que não se percam
estive em um cemitério noite passada
para amá-la
e saudar as almas benditas
que não me deixam cair.