Um dia

 

 

sentirás uma saudade que

de certa forma irá arder, apertar e

trazer um quê de sede, fome, ou

apenas um vazio tão denso, de

sentido concreto e definições abstratas

 

ao vasculhar os seus baús interiores em

busca de um resto de mim, talvez sinta o

aroma da última essência que ainda persiste

em impregnar as lembranças que se atrevem

a ressuscitar sem aviso prévio

 

quando de longe soar as notas de

um saxofone melancólico trazendo

consigo os versos de um poema amarelado,

deixado em algum canto da biblioteca

amadeirada, consumido por abjetas traças

 

quando de algum alto-falante soar a voz de

Bethânia ou a flauta de Madalena embalando a

voz de um Montenegro perdido em devaneios

buarquianos, que parecem querer retroceder os

degraus, os ponteiros e os grãos de areia do tempo

 

é bem provável que as capas empoeiradas sobre

as várias estantes de um cômodo vazio estejam a

guardar minha alma intacta, entre páginas que

nunca mais se abrirão aos olhos plácidos e úmidos

da vã esperança de que a pele reviva antigos arrepios

 

 

Imagem: arquivo pessoal do autor

Jefferson Lima
Enviado por Jefferson Lima em 02/07/2023
Código do texto: T7827722
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