Mente in sana

Mente in sana

São José, SC, 31/05/2023 - 8h54

Meia volta, volta e meia

Não tenho visto pessoas queridas,

Algumas parecem que se esconderam

Por detrás de seus smartphones,

Outras ainda me esperam, plantadas

Na frente de um espelho que,

Sinceramente,

Não sei se é o meu.

A dançarina chama-me para um tango

- mas tenho que me preparar a caráter antes,

Ponho chapéu, cachecol, sapatos

E quase lhe roubo um beijo

De tão próximos nossos lábios.

O público incentiva, quer a consumação

Do ósculo, que parece inevitável,

Mas mal eu ensaio uma contradança,

Tudo já são apenas lembranças empoeiradas.

Há pessoas que andam em bandos,

Tainhas que andam em cardumes,

Abelhas que andam em enxames

E produzem cera

Que usamos para fins medicinais.

Ulisses venceu as sereias

Encerando os ouvidos

E Ícaro despencou com asas de cera

Ao tentar alcançar o sol.

Tanta cera, que em minhas lembranças

Vejo meu pai e nós, pequenos,

Encerando o chão da cozinha

De nossa meia-água alugada

Com uma cera que ele havia criado

De cascas de beterraba.

E não é que funcionava?

Mas o que mais valia a pena

Na duração daquela cena

Era dançarmos encerando o piso

Com nossos pés protegidos por meias,

No embalo de sábados à noite.

Tudo lembranças,

Tudo poeira,

Tudo alergia de velho

Que me abraça agora

Metonimicamente

No lugar de um sufoco.

Como diria o poeta,

Chega de saudade,

Que fiquem apenas

As boas amizades

Das quais, a duras penas,

Às vezes me afasto

Com a pior das facilidades.

Mente in sana

in corpore drama,

não quero mais

afundar na cama.