Carta Aberta ao Amor que me Carece

Eu te acolhi como não acolhi a mim mesmo

Eu tentei drenar o veneno que corria em tua boca

E amarguei o gosto do meu próprio beijo

Como se bebesse um licor que beirasse o envelhecimento

Esses olhos gentis que me olhavam

Hipnotizados com o fascínio do meu tato

Perpetuavam em mim uma beleza que já não tinha

As expectativas se degradavam nos ossos

Lamento tanto voltar o discurso para dentro

Há tanto peso que precisa ser equilibrado

As âncoras daquela primavera autoflagelada

Assistem minha pele se costurar em sua ferrugem

Tudo aquilo que me travava era sujeira

Eu sou uma casa compulsória que acumula

Memórias, manchas, feridas e objetos

Todo o apreço ao receptáculo que me entorpece

O caos era um deus em que eu confiava meus instintos

E te apresentar meus piores dias com sabor de despedida

O alívio se tornou recusa, mesmo entre teus braços

Não entendi teu apoio, precisei convencer outros limites

Comovo acidentes, eu provoco conflitos

O silêncio é perturbador demais

Essa indulgência não entoará mais encantos

Meu gesto ainda preza pelo zelo, por isso fujo

Eu mergulhei de olhos abertos

Enfim, compreendi essa cólera

Conheci uma criança assustada

Mascarando o medo com raiva

Eu te perdoo, eu me perdoo

Mas eu tenho que ir embora

Espero que você possa me perdoar

E algum dia talvez eu possa ser seu