SÃO PAULO DE 1922

“Longe, nesta estação de cura,*

é que a cidade de S. Paulo vive em mim.

Porque ela está em mim edificada

na colina nevoenta da minha saudade.

(...) S. Paulo edificada em mim!

A minha alma é um bonde vazio

descendo a ladeira do Carmo da minha saudade,

envolto no véu da garoa noturna.” – RODRIGUES DE ABREU.

Longe no espaço e no tempo,

Nesta antiga estação de cura

No ano de 2022,

É que vive em mim mais forte

A cidade de São Paulo de 1922.

Porque ela está em minh’alma edificada,

Na colina nevoenta e garoenta

Da minha imortal saudade.

Dos tempos idos e por mim não vividos,

Mas profunda e intensamente sonhados e sentidos.

Longe, nesta antiga estação vilazinha dos tísicos

E nesta calma tarde d’outono,

Olho a folha dourada e morta

Que há pouco tombou dum plátano

E a névoa e a garoa

Que desceram sobre a antiga estação de cura,

Mas vejo as folhas douradas e mortas

Dos plátanos da velha cidade de São Paulo

E a névoa e a garoa

Que a envolvem sempre

Na colina da minha saudade.

Ah! Pauliceia d’antanho

Em mim edificada!

A minha tísica alma

É um bonde vazio

Descendo a Rua da Consolação da minha saudade,

Envolto no véu de névoa e garoa

Duma fria noite outonal.

São Paulo, São Paulo;

São Paulo de cem anos atrás;

São Paulo do ano da Semana de Arte Moderna

E do Centenário da Independência;

São Paulo de 1922;

São Paulo que foi comoção

Da vida de Mário de Andrade

E segue sendo comoção

De minha vida;

Pauliceia edificada na alma de Rodrigues de Abreu

E também na minha;

São Paulo que vive inteira

Na minha saudade;

São Paulo que vejo tal como

A sonhei e sonho,

Lá longe, perdida na distância

Do tempo passado, entre névoas

E sob a fina garoa que cai do céu

Multicor dum crepúsculo d’outono

Há muito apagado para sempre.

São Paulo, São Paulo;

São Paulo que palpita

E vive no mais fundo da minha saudade,

Com seus automóveis,

Seus bondes elétricos

E suas carroças,

Lavada por sua chuva fina e fria

E iluminada pela luz verde-azulada

Dos seus velhos lampiões;

São Paulo dos primeiros arranha-céus

E das últimas serestas ao luar;

São Paulo dos bairros aristocráticos

Com palacetes cercados de belos jardins

E dos bairros operários

Com jardinzinhos humildes

Onde se escutam os apitos das fábricas

Da cidade que mais cresce no mundo.

São Paulo, São Paulo;

Não a Chicago da América do Sul;

Não a cidade que mais cresce no mundo;

Não a Londres das neblinas finas

De que falou Mário de Andrade,

Mas apenas e tão somente São Paulo,

São Paulo da infância de meu avô

E da mocidade de meus bisavós;

São Paulo que aguarda o nascimento

De minha avó em 1925;

São Paulo cuja garoa fria

Cai como saudade

Nos jardins da minha alma.

São Paulo, São Paulo;

São Paulo de 1922 em minh’alma edificada;

São Paulo de meus amores impossíveis;

Pauliceia perdida no horizonte do passado,

Coberta pela névoa da nostalgia

E regada pela garoa da saudade...

Victor Emanuel Vilela Barbuy, Campos do Jordão, 2 de abril de 2022.

*A estação de cura a que o poeta de “Casa destelhada” se refere é São José dos Campos, onde esteve por alguns meses, entre os anos de 1925 e 1926, em tratamento da tuberculose que o levaria deste mundo em 1927. Antes disso, mais precisamente entre os anos de 1924 e 1925, vivera o poeta em Campos do Jordão, para onde igualmente seguira na esperança de se curar da doença que o vitimaria.