OS DOIS COQUEIROS

Continuação de minha homenagem, aos poemas de Cancão, o trovador que nasceu em São José do Egito-PE, terra do Pajéu, celeiro dos grandes cantadores, que também é o meu berço querido.

OS DOIS COQUEIROS - JOÃO BATISTA DE SIQUEIRA - (CANCÃO)

Testemunhas seculares

Do outro lado do rio

Rumor das brisas lunares

Nas calmas noites de estio

Foram vigias de feras

Venceram eras e eras

Se tornaram centenários

Os seus bulícios tristonhos

Tinham a doçura dos sonhos

De mil poemas lendários.

Com prazeres recebiam

O pequeno rouxinol

Eram os primeiros que viam

A face alegre do sol

Sentiram as mesmas mágoas

Beberam das mesmas águas

Queimados do mesmo pó

Colheram o mesmo sereno

Viveram num só terreno

Nasceram num dia só.

Com todo viço aumentaram

As duas plantas vizinhas

Em pouco tempo chegaram

Ao mundo das andorinhas

Neve, chuva e cerração

Frio, sereno e verão

Nada disso os atingiram

Vencedores das idades

Nem as próprias tempestades

Tempo algum lhes aluíram.

Nas brisas que perpassavam

Brandas ou mais violentas

Eles os dois conversavam

Numas frases barulhentas

Receberam temporais,

Deslocamentos fatais

Por brusco arrojo dos ventos

Viveram nestes combates

Lutando contra os embates

Da força dos elementos.

Assim aqueles coqueiros

Cheios de viço e enganos

Se tornaram dois guerreiros

Foram lutar contra os anos

Um ao outro em homenagem

Nos bafejos da aragem

Estendiam a palha sua

Cada fronde, verde e bela

Conservava uma parcela

Da luz serena da Lua..

Suas palhas sussurrantes

Continham graça e beleza

Dois monstruosos gigantes

Criados da Natureza

Desde a fronde às raízes

Todas suas cicatrizes

Foram profundas feridas

Cada marca, uma história

Uma medalha, uma glória

De cem batalhas vencidas.

Em certos dias marcados

Choveu torrencialmente

Foram os dois abraçados

Por poderosa corrente

Um rodava, outro pendia

A água se remexia

Numa fúria de dragão

O mais fraco, já vencido,

Num arrojo desmedido

Caiu sem ter salvação.

Ficou o outro coqueiro

Em meio à corrente, em pé

Como fosse um guerreiro

Sem esperança e sem fé

Se balançava, tremia

Tombava, depois se erguia

Entre o furor do perigo

E a morrer se dispunha

Como a maior testemunha

Da morte de seu amigo...

No horroroso fragor

Já se mostrava pendido

Sentiu faltar-lhe o vigor

Foi ficando esmorecido

A água, em borbotão

Fazia revolução

Da superfície à areia

Caiu no mesmo momento

Ao impulso violento

Dos solavancos da cheia.

As grandes vagas caudais

Desciam ligeiramente

Sem ter resistência mais

Se lançou sobre a corrente

O aguaceiro o levou

E junto ao outro o deixou

Por um ligeiro desvio

Ficando os dois encostados

Onde estão sepultados

Do outro lado do rio.

JOÃO BATISTA DE SIQUEIRA - (CANCÃO)
Enviado por João Nunes Ventura em 27/07/2022
Reeditado em 27/07/2022
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