Presente
Ainda guardo comigo o sorriso doce que me abrisse quando me deste aquele modesto presente num passado remoto: uma moto e um carrinho de controle remoto, embrulhados com carinho num papel-presente barato.
Àquela época eu não sabia o que era trabalho, aguardente, mais-valia, dialética, diarréia, salário; não entendia o valor do dinheiro, a dor das dívidas; dúvidas, desemprego; não, não havia melancolia, insônia, prego na sandália, ânsia de vômito, desilusão, desespero, ansiedade, depressão... Não!
O que mais me valia era a maior felicidade do mundo dentro do peito quando, ao final da tarde, meu pai, com seus calos de pedreiro nas mãos, aparecia diante do portão, (al)quebrado, com o cansaço no rosto e uma sacola pendurada no braço: era o seu jeito rústico, suado e verdadeiro de dizer o Eu te Amo mais poético do Universo - não em forma de verso, nem de abraço, nem de cheiro - mas num gesto único, sincero, verdadeiro, singelo... de brinquedo.
Hoje, o presente é sério, e "o passado é uma roupa que não nos serve mais…"
Hoje, "trago em meu corpo as marcas do meu tempo
Meu desespero, a vida num momento
A fossa, a fome, a flor, o fim do mundo"...
Vá por mim, ouça Taiguara (porque Belchior, provavelmente, você já conhece).