doi doi doi

doi doi doi

me sinto um cão morrendo de frio com seu casaco de pelo

sinto minha pele fria como as paredes dessa casa

o sol não passa pelos galhos de árvores

as árvores e o vento parecem rir juntos de minha solidão

e a fome no mundo é um projeto

tudo arquitetado, muito bem planejado pelos homens casados

a sombra que se estende sobre as roupas no varal

hora ou outra seca as roupas

mesmo que leve dias e dias e dias

as pequenas gotículas de água sobem lentamente até evaporarem entre as árvores risonhas

e como se fosse piada meu olho se enche d’água

meu peito se enche tragando a fumaça

as janelas do banheiro golfam vapor

por entre a torneira da pia da cozinha parece correr um frio rio azul

do alto das paredes do meu quarto a casa parece mofar

como que expulsando o inquilino que olha pra dentro dela

parece rir da piada do tempo

da piada da árvore

que nunca acho graça

não acho graça em quase nada

rio de tudo, forçando a musculatura

dilatando os olhos pra fora, vendo a abertura das janelas

convidando as pessoas a vestirem minha pele de cachorro molhado

não muito longe daqui, você caminha pelas ruas da cidade

se o vento não gargalhasse tanto talvez eu até conseguisse ouvir sua respiração

mas a verdade é que

quando as roupas no varal começam a secar a máquina já está lotada de novo

pronta pra ser despida

nunca me atrevi estender minha pele no varal

se eu tirasse de mim tudo que é supérfluo o que restaria?

o que existe debaixo dessa cobertura dura de concreto?

porque minhas unhas andam tão sujas?

minha gata companheira chega sempre a noite

e de manhã tem sempre fome

a fome no mundo é um projeto arquitetado

e meus sonhos são sempre sobre amor, tudo que me move é o amor

amar e amar e amar e sempre e até de olhos fechados

amar?

doi doi doi viver assim dói

OiAmado
Enviado por OiAmado em 22/06/2022
Código do texto: T7543309
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