Album de Recordações
Na capa de feltro azul
As letras são requintadas
Na verdade, um monograma
Com duas iniciais gravadas
Filigranas de ouro em pó
Ricamente trabalhadas
Com fitas e sianinhas
Finamente entrelaçadas
Ao lado, uma marca d’água
Meus dedos num alto relevo
Olhos também marejados
Semicerrados de enlevo
Um leve tremor nas mãos
Sobre um desenho ilustrado
Meu coração que vagueia
Rememorando o passado
Fotos em preto e branco
Que se tornaram amarelas
E o tempo de encarregou
De apagar algumas delas
Dentro duma dobradura
Um murcho botão de rosa
Lembra a moça que o colheu
De alguma roseira viçosa
Um raminho de alecrim
Que foi ao meio partido
Descansa entre folhas de seda
Que ali deixaram esquecido
No meio dos personagens
Brochuras com poesias
Gravuras e cartonagens
Rascunhos de nostalgia
Um casal novo e austero
Pelos filhos ladeado
Um bebê louro e vivaz
No colo bem comportado
A menina sorridente
Com cabelo cacheado
Exibe um vestido mimoso
Com rendas e linhas bordado
Um jovem fazendo pose
Na primeira fila, de pé
Botinas e calças curtas
De suspensório e boné
A tinta nanquim ressalta
Uma escrita caprichada
Datas no rodapé
A caneta-tinteiro dourada
Um rabisco de criança
Garatuja pueril
O mata-borrão que enxuga
A travessura infantil
À margem ainda se lê
Rebuscada anotação
A fotografia mostra
O jardim do casarão
Revela canteiros de flores
Podadas para a ocasião
Vêem-se perdidos uns selos
Origami, um pequeno laço
Um esboço feito às pressas
Num recorte de papel almaço
Fitilhos já se esgarçaram
Da costura da lombada
Respingos de goma arábica
Uma página arrancada
As lembranças retratam pessoas
Com o rosto desbotado
Minhas lágrimas agora molham
O velho álbum folheado