Despeço-me

Despeço-me por um instante

daquilo que eu tanto almejei.

Quem diria que um dia atravessaria

mares, terras e o céu para estar aqui.

Por um instante, despeço-me

do dia que encontrei com a chuva

da manhã, ao andar em paralelepípedos

trêmulos e um rio que cercou meu coração

Despeço-me por um momento

das escadarias e dos bancos onde troquei

as prosas mais bonitas e os sorrisos

que me bordaram.

Por um momento, eu despeço-me

das vezes em que precisei escrever

várias páginas cobertas de amor

e delas saíram as mais lindas poesias.

Despeço-me por hora

daquela vez em fugimos de casa

e no trapiche da beira do rio

e nas árvores da praça, prometemos o melhor dia.

Por hora, eu despeço-me

dos amores que eu vivi, enquanto

Sofia aprendia a amar, Mariana

sofria por ser o amor.

Despeço-me brevemente,

do dia em que me encontrei na praia

e derramei um copo d’água sobre meus pés.

Nas areias, o sangue como pegadas.

Brevemente, eu despeço-me

do amanhã de domingo, da menor das ladeiras

o meu reencontro com o mar

e os morros que aqui cercam.

Despeço-me até mais ver

das chamas que viraram ruínas,

o meu porto-seguro em cinzas

que havia de ter prometido o amor.

Até mais ver, eu despeço-me

dos andanças que fizemos no sol da grande

e velha cidade e da noite

em que fugíamos em busca do mundo.

Despeço-me por esquecer

do meu último suspiro de ar,

quando os ventos haviam sumido

e o meu corpo a padecer só.

Por esquecer, eu despeço-me

da vez em que me sentei sozinho

em uma mesa e pensei

que não havia mais nada a encontrar.

Despeço-me por hoje

das longas conversas que eu tive,

trancadas as setes chaves

e prometidas ao túmulo do esquecimento.

Por hoje, eu despeço-me

do amor de um quarto e casa, do meu falar

das risadas, dos encontros e desencontros

tudo parece ter sido tão ontem.

Despeço-me por agora

de uma história tão completa,

que me fez criminoso por arriscar demais,

que me fez herói por amar demais.

Por agora, eu despeço-me

de ti que estás a ler este texto e

dizer que felizmente tudo ocorreu

como deveria ser, a liberdade.

Despeço, eu despeço-me,

mas não é um adeus.

É um até logo, até breve, até mais

até daqui a pouco.

Eu despeço-me, despeço

a pedir aos ventos que me carreguem

ao aconchego de quem viveu, todas as linhas

versos e prosas deste poema.

Mariana dos Expedicionários
Enviado por Mariana dos Expedicionários em 02/06/2022
Código do texto: T7529484
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