Cheiro-memória
Meus cheiros antigos são novos em devaneios,
São feito nódoa ferrugem na memória em folha branca.
Da naftalina em bolinhas nas gavetas sem bolor,
À carne cheia de toucinho no espeto.
E a boca aberta da gulodice do fogão de lenha,
Onde a brasa escarlate defumava o porco a tarde inteira.
Fosse alho, cebola ou louro,
Dourava-se a saliva chupada língua a dentro.
Os cheiros do mundo, do couro curtido aos sovacos,
Da gamela de sopa até o bodum da privada.
Numa infância de pequi, manga e talco
Cheirou-se a rosa, o mato batizado de orvalho.
Na podridão do mercado infestado de bucho
Fumo de rolo é cheiro agradável.
E seguem os cheiros de tempos passados
Meio ontem, meio nunca mais.
Cheiros de cabelos em perfume de frutas
De calcanhares minâncora e leite de rosas em corpos todos.
Enferrujando a memória branca,
Com saudades tantas, cheiro de cânfora que não volta mais.