PERIPÉCIAS DE UM CANOEIRO

Se me perguntarem o que estou a fazer aqui?

Os convidarei a observar o Voo astuto dos curiacas,

que seguem a brisa novembrina

rumo às terras inexploradas,virgens, intocadas, imprevisíveis

como as turvas águas do Paraguai.

Como as curvas do teu corpo...

Se me perguntarem o que estou a fazer aqui?

Atente-se à insistência das mutucas e mosquitos a explorar

a essência dos corpos dourados, à tardezinha na beira do cais.

Ou o cardume em direção às frutas travessas a cair dos navios no meio da Baía.

Puro impulso da natureza!

Cruzei terras alagadas do pantanal mato-grossense,

enfrentei sucuri,piranha, jacaré e candiru!

Tudo culpa sua, filha do rio!

És tu que me fazessentir no balançar das folhas de macaúba seu olor pungente.

És tu que emerges na aquarela crepuscular das 6 da manhã.

És tu, ribeirinha, que utilizaste a isca mais rara desta terra:a cor acetinada de seus lábios cor de urucum,

fisgando-me em uma noite de lua nova.

E se ainda me perguntarem o que estou a fazer aqui?

Corram até as pedreiras e observem os rebojos!

Velozes,caóticose complexos...

redistribuindo tudo o que plaina no negrume das águas agitadas.

Os marolos aqui derrubados por um pescador desatento, lá na curva do rio estão.

Foi assim que parei na barra do Rio Bugres, com minha canoa de jatobá...

arrastado pelo sorvedouro em seus olhos, abissais e oblíquos.

Segui um bracinho magrelo do Rio Paraguai e jamais pensei que aquele filete

se transformaria em águas agitadas de várzeas alagadas.

Assim como jamais pude imaginar que aquela troca de sorrisos na areia me levasse ao âmago da sinestesia,

fazendo-me afogar na saudade amarga e fria de não sempre tê-la.

Agora vivo de fotismos e fonismos, a lembrar de sua doce voz, do vermelho berrante de seus lábios e do calor de seus olhos amarroados energizando o abismo gélido dos meus.