Tapera

A velha tapera parece observar-me com tristeza,

Suas duas janelas frontais, simples e velhas,

de madeira carcomida pelo abandono, parecem dois grandes olhos,

a observar tristes a passagem do tempo.

Não tem mais vida seu interior

Não tem mais cheiro sua cozinha

Não sai mais fumaça de sua chaminé

O fogão a lenha, o coração da casa,

Está frio, apagado, a muito morreu.

Não há mais jardins no teu quintal

Não há mais monsenhores , dálias ou cravos,

Nem rosinha branca que diziam curar "dordói".

As ervas daninhas, que não requerem cuidados,

Expulsaram as flores e tomaram seu território.

Não há mais cachorros vira-latas a cavoucar o quintal,

Nem molecada a trepar em suas frutíferas pra saborear a fruta no pé,

Manga, jabuticaba, goiaba e seriguela.

A família não se junta mais aos domingos

Pra comer macarronada e frango caipira.

Não há mais roupas a secar nos varais,

Como bandeiras hasteadas

a indicar que ali tem gente.

No poço coberto pelo mato

A roldana não canta mais

Ninguém tira mais nada dele

Nem água nem poesia,

Aquela pra sede do corpo

Esta pra sede da alma.

Seus cômodos parecem muito menores

Do que meu eu criança se lembrava.

Apenas o silêncio os habita,

A luz que penetra pelas rachaduras das paredes empresta uma aparência de mausoléu ao lugar.

Não há mais risos, choros ou algazarras nos seus cômodos,

Neles não se conta mais histórias,

Não se cantarola , não se assovia, nem se briga mais,

Perdeste tua alma, as pessoas que em ti habitavam, te davam vida.

O velho tamarindeiro e a velha mangueira

São sentinelas incólumes da tua triste deterioração,

E assim se deterioriza um pouco também meu coração.