O leiteiro
A buzina percorria o trajeto do vento
Uns duzentos metros nadando no ar
Penetrava meus ouvidos atentos
Hora de pegar a panela
Para o homem do leite encher
Com leite fresco, da teta da vaca.
Ele vinha de charrete
O cavalo trotava lindamente
Pisoteando o calçamento antigo
Num ritmo cadenceado e elegante.
Numa manhã tomei coragem
Esperei no portão
Queria chegar antes do som
Que disparava o reflexo de buscar a panela.
Queria ver o homem apertar a bolinha de borracha
Queria sentir o percurso do som
Na goela da corneta metálica.
Corri até lá, à altura da jaqueira
E pedi ao homem mais que leite
Mais que panela cheia
Queria andar na charrete mágica
Que era como uma carruagem
Dos contos de fadas.
Ao subir senti que era uma princesa
E o homem do leite um príncipe velho, mas encantado.
Trotando por duzentos insignificantes metros
Para que a garotinha sonhasse
Pelo resto do dia
Pelo resto da vida!
Me esqueci do leite,
Me esqueci de tudo
Mas essa memória
Recuso-me a esquecer.