Um pouco da minha Infância
Francisco Alber Liberato
Continuo sem dinheiro
Trabalho o ano inteiro
Não ando descalço
Não brinco de bila
Não manuseio argila
Não jogo pião
Não me preocupo com
A próxima refeição
Tem dia que bate
Uma saudade lascada
Da dureza do sertão
Dos verdadeiros amigos
Daquele torrão
De terra batida
De gente querida
Que divide o pão
Que estende a mão
Que não tem maldade
No seu coração
Eu não esqueço não
Da falta de água
Da panela vazia
Do bucho que doía
Daquele pirão
Do café com farinha
Daquela rapadura
Das brincadeiras de rua
Das travessuras de menino
Do sonhar acordado
Do realizar dormindo
Da inocência de criança
Da pureza da infância
Do apertar campainha
Da lembrança de alguém
Do medo do trem
Do dormir lá na linha
Dos banhos no rio
Daquele calafrio
Do pulo da ponte
Do castigo da mãe
Que doía um monte
Daquele cuidado
Que tinha a tia
Quando a gente caía
Dos conselhos amigos
Do povo querido
Da minha terrinha
Do carinho da vovó
Do brincar de bozó
Do escravo de Jó
Que jogava caxangá
Do risco que corria
De me arrebentar
Naquela carroceria
Daquele caminhão
Que passava por lá
Que saudade
Daquela caçarola
Daquela lamparina
Daquele chiqueiro
Daquele poleiro
Daquele canteiro
Daquele terreiro
Daquele candeeiro
Daquela esperança
Que a vovó sempre trazia
Naquela sacola
Nunca vazia
Que saudade
Daquele tempo
De moleque arteiro
Que jogava na rua
Quando a alma era nua
Eu fico na minha
Tu fica na tua
Tá aqui a mãe de um
Tá aqui a mãe do outro
Mais macho é quem cuspir aqui
E mole quem desistir
Quanta bobagem
Deixem de besteira
Vamos brincar
Lá na oiticica
Banhar lá na bica
Quem por último ficar
É a mulher do padre
Vamos empinar pipa?
Quem quer brincar de amarelinha?
Criança quer ser adulto
E adulto quer ser criança
Lacrimejam os meus olhos
Quando lembro da infância.