Longe de ti no tempo
Do ranger de uma porta
que há muito não era aberta
o temor de uma lembrança
e um mergulho de volta incerta
na parede, o relógio parado
sobre a mesa, os sonhos de outrora
o calendário intocado, não mente
nossa única data era o aqui e o agora
tudo está do mesmo jeito
nada foi tirado do lugar
tive pena de esvaziar a sala
já que você também está lá
não você, mas uma farsa
que inventei pra pôr em seu lugar
talvez pro cômodo não parecer vazio
ou pela esperança de ainda te ver voltar
mesmo coberto pela poeira
tudo parece vivo, ainda morno
consigo ver nossos livros, nossa lareira
e as plantas moribundas que ainda servem de adorno
ainda te vejo na janela
ainda sirvo café pra dois
ainda sigo tendo fé no agora
pelo puro desprezo do que vem depois
pois vivo preso ao passado
quando você estava por aqui
vivo preso nas nossas promessas
que te fiz sem ter tempo de cumprir
tempo, força, fibra
muito me falta, sempre me faltou
me perdi nas estações, voou o tempo
eu continuo sendo o mesmo, nada mudou
será que você ainda é o mesmo também?
ou partiu sem mim justamente por não ser?
eu me pergunto enquanto abro as janelas
pra ver o céu anunciar que ainda há de chover
nas noites frias, sem silêncio
quando só martela ao peito o desejo de chorar
eu volto até aqui, para lembrar daqueles momentos
em que me você me fez sorrir, só com o seu olhar