Uma noite para uma vida

As cinco Marias do céu

repousam, em saquinhos,

nas minhas mãos pequenas...

Elas voam para o alto:

as estrelas, os saquinhos, o meu sorriso,

meu sonhar.

Doces sonhos infantis

a cada aventura de minha boneca.

Palhas de milho que ganham vida,

palhas de milho que criam sonhos,

palha de um milho cultivado com suor

e esperança...

Eu e outras crianças

brincando na sala da antiga casa

sem se preocupar com assalto,

com a violência da cidade fria:

após uma xícara de leite,

após um carinho da mãe,

enquanto a vida escreve seu livro...

Na mesa da sala,

meu avô, meu pai, meus tios

jogam, a cada carta,

num quatrilho perfeito

a certeza de um dia de trabalho...

Ao lado do fogão,

fogão de lenha,

minha avó, minha mãe, minhas tias

tricotam roupas que aquecerão o corpo.

Pontos carinhosos que aquecem a alma.

Amanhã será um novo dia:

amanhã terá mais trabalho na lavoura,

amanhã terão mais calos nas mãos,

amanhã terá mais uva nos parreirais,

amanhã terá mais vida para escrever

com batalha e fé...

O tempo, águas, escorre entre os dedos,

a noite vai abraçando o mundo:

o quatrilho vai terminando,

o fogo esfriando.

Minha mãe pede: guardem os brinquedos!

Então, pego a boneca de pano,

feita com palhas de sonhos.

Pego as cinco Marias,

Depois de recolher os brinquedos

de uma vida que não volta mais,

recolho os abraços de minha mãe,

o boa noite de meu pai.

o olhar de meus avós...

Guardo tudo:

toda uma vida,

todo um passado,

toda uma história.

Uma por uma...

Com todo cuidado...

No baú das memórias,

eternamente trancado,

Seguro e infinito

dentro de meu coração.

Saudades de um tempo que não voltará, jamais....