MENINO DO POÇO DA PEDRA

Poema em 70 versos: 7 décimas do tipo redondilhas maiores com reminiscência, bom humor e esperança.

MENINO DO POÇO DA PEDRA

Autor Valdir Loureiro

1) Poço no riacho

Poço da Pedra, tu és

de um bosque reminiscente;

nas tuas águas de afluente,

lavaste* muito os meus pés.

Dei pulos e cangapés

contra a tua correnteza.

Tu e eu, com a ligeireza,

eu pulava e tu corrias.

Eram alegres nossos dias

na enchente e na represa.

*podia ser também "levaste".

2) Arrepio de saudade

Em vez de sentir o frio

dos banhos que eu tomava,

penso agora onde nadava,

sinto os braços com arrepio.

"No inverno, hoje estou vazio¹";

com a chuva agora, estás cheio.

Quero mais andar no meio

do poço e em cima da pedra.

"Teu volume de água medra²

com a chuva e o meu devaneio."

¹vazio: triste. ²medra: cresce.

3) “Ao redor do rio, tudo é ribeira”

Não achei como evitar

"riso e lágrima" de saudade;

não só por causa da idade,

mas pelo que vens lembrar:

"lembro as ondas a espumar

e o ronco da cachoeira;

a sinfônica barulheira

que fazias, ao chover;

eu e os bichos íamos ser

crias da tua ribeira".

4) Machismo do infante

Levei também cipoada

ou "banho quente de peia"

do menino que aperreia

sua mãe preocupada.

Eu ia, sem dizer nada,

de casa para o riacho.

Até hoje ainda eu acho

que podia ter caído

sobre um toco e ser ferido

por querer ser "muito macho".

5) Menino das Manhãs

Ainda sou o Menino

daquelas longas manhãs;

com os meus infantis afãs,

tenho paz ou me afino.

Em campo mental, germino

os "troncos dessa lembrança".

Aquela feliz criança

volta ao leito*, à pedra e ao poço

para ver se eu fico moço

com os meus "banhos de esperança".

*leito nos dois sentidos: do poço e do menino.

6) Cisne saudoso

A nossa historinha é um fato

que mostra como eu, criança,

era feliz na bonança

de um poço à beira do mato:

leve e livre como um pato,

nadava na água parada

ou corrente e ondulada.

Qual cisne saudoso, eu digo

que "ainda és meu abrigo

nas manhãs de invernada".

7) Poço seguro

Sou uma criança de outrora

que hoje sai pela cidade,

relembrando aquela idade,

por onde passa ou demora;

que anda, "levando lá fora

vento e água" ao ar puro.

Vejo o passado e o futuro,

"saudando a chuva que cheira

à pedra e à ribanceira

daquele poço seguro".

Valdir Loureiro

____________________________

Notas:

1) Poema acima autobiográfico: personificação de um poço no riacho; foi escrito em certa manhãzinha de inverno.

2) Personificação ou prosopopeia é uma figura de linguagem que consiste em "atribuir a objeto inanimado ou ser irracional, sentimentos ou ações próprias do ser humano".

_________________________

Texto anexo; foi escrito em 27-11-2023:

POETA SÓ DE MIM

Autor Valdir Loureiro

Eu fui menino do Poço

Da Pedra lá de um riacho,

Onde a água fazia cacho

E caracol em alvoroço.

A cachoeira em destroço

Caía em reta, sem fim.

Foi tão bom que, de lá, vim

Banhado entre pedregulho.

Sou em poço de água e mergulho,

Um poeta só de mim.