recordação
saudades do doce de damasco,
do cheiro de abricot,
da bananada do trem,
do sorvete holandês
cor de rosa clarinho.
saudades do barulho das xícaras
de louça fina a pousarem sobre o pires
da nostalgia das estações
nítidas e bem distintas:
primaver, verão
outono e inverno.
o entardecer das histórias infantis
do
bicho papão, do
ieti,
das sombras enigmáticas das árvores
das indecifráveis nuvens que nos perseguiam
do pique-esconde,
da amarelinha,
do queimado,
das bonecas de vestir e despir,
de suas roupas, sapastos e perucas
das sapatilhas de cetim.
a recordação me veio
hoje
como um flash mágico
a me arremessar dentro do
túnel do tempo
da declamação na escola,
do piano no concerto
da sala Cecília Meireles
e, as aulas de sofejos
quanto sofrimento
para uma soprano contralto
saudades dos chinelos de fivela,
do topo-gigo,
da graça paternal
dos afagos dos avós
das goiabeiras íngrimes,
das ladeiras para os carrinhos de rolimã
das bolas de gude,
olho-de-gato
da singular trigonometria
do mata-mata
tanta saudade
e esse tempo passando
teimando em me envelhecer,
tempo
pensando, transpassando
por entre poros e lágrimas
por entre rumos e trilhas
aonde foi parar aquela poesia
que ganhou o concurso?
a blusa cujo bordado era o mais bonito?
a amiga mais íntima
o amigo tão engraçado e gordo ?
estarão vivos ou
estarão mortos?
serão felizes e sobreviventes
ou serão infelizes e carentes?
terão seguido os estudos,
ou as águas correntes ?
terão constituído família ou
são solitários e recessivos?
engordaram mais, emagreceram mais
ou manteram um perfil permanente?
ou simplesmente ficaram mesmo
parecidos com a lembrança
que guardo agora
e que bordou em meu coração
a cicatriz da recordação