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              A CASA NO FIM DA RUA


                                I


Provisoriamente
resta algo de mim:
tijolos, pó
carcaça de janelas.

Picaretas descascam
uma a uma
minhas camadas.

A cada golpe
saltam lembranças
hirtas de dor.

Passos por mim dentro
saltitantes...
pesados...
vozes de vários tons...
silêncios...
quadros...
algum bolor também pelas paredes.

Depois, todos se foram.

Ficamos eu e o jardim.
Flores jovens e antigas.
Seu mistério de luz
fazendo-me companhia
a mim, a última casa
no fim da rua.

O jardim...
morto antes de mim.
Vi as botas chegarem
pisando as cores
devastando os matizes.

       II

Havia olhos
que desciam a mim
de altíssimas janelas
depois subiam ao céu
miraculoso.

E o azul descia
quente e doce
inundando os rostos.

Eu lhes dava
um pedaço do universo
agora morro
anônima e só.

Não deixo testamento.



Do livro ESPELHOS EM FUGA, Editora Objetiva, 1989.

                          

 
 
Comentários...
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25/04/2020 19:16 - VANA MILETTO
Amei sua poesia, Enxerguei todo o cenário! Confesso, quase chorei ao ver toda a cena. Parabéns pela beleza da obra!
19/08/2017 13:18 - Gladston Salles
Poesia escrita com rara competência e sensibilidade. A autora traduz em versos um sentimento profundo de tristeza devido a demolição de uma casa antiga, onde outrora a VIDA se manifestava com extrema beleza e vigor. Creio que nas profundezas do terreno (nas entranhas daquele pedaço de terra)algo subsiste : a energia, embora tênue, de sonhos fragmentados... Abraço poético.
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19/03/2015 11:23 - Facuri
fantástica e emotiva reflexão, Zu!!!! O quanto estes versos nos mostram e nos dizem!!!!! Calo-me!...bjs