transitório
o tempo não passa por aqui
resta congelado nas paredes,
nas vielas inclinadas
o tempo cristalizado
anda devagar, com a calma dos monges
o corpo se encolhe de frio
recolhe-se para dentro da alma
que fugidia ainda se esconde
do dia mal raiado de sol
as pernas doendo
me seguem em passos custosos e curtos
o caminho não acaba
o infinito é percorrido pelo frio
o tempo e o verbo não passam,
indefesa em meu silêncio
pondero valores inquestionáveis
o tempo e o vento contam histórias
de ritmo estranho e cadenciado
na batida dos relógios da igreja
nos gongos primitivos,
no tic-tac enlouquecedor
a marcar milimetricamente a morte
que possui hora e dia certo
possui lugar certo
e sobre ele colocam flores e
remorsos
as flores no frio possuem cor
mais vivaz
deve ser para compensar a solidão
do vento
o abandono do pólen
jogado
aos desvarios frígidos
de manhã sem sol
na chuva fina
milhões de gotas singelas
banham oceanos, praças, viadutos
e, deixam o chão ensaboado,
pistas escorregadias
onde a queda e a gravidade é
absolutamente natural
a atração de tudo
está no aconchego do interior
no calor interno da mão
que ainda há,
do corpo que ainda pulsa
embora encolhido
na dor que ainda permite ao
sobrevivente contar sua história.
a história é um registro de dores e
privações humanas,
as vezes apenas compensadas por
um futuro meramente promissor.
as vezes compensadas pela certeza
da transitoriedade.