A CIDADE DA MINHA INFÂNCIA

Nasci numa cidade pequena, entalhada às margens do desconhecido Ribeirão Claro, numa das tantas bacias do Rio Tietê. Longinqua e rural.

Tão pequena era a cidade! Uma aldeia de esquecidos. Todavia, as pessoas do lugar, não eram amargas, porque jamais se importaram com o esquecimento do mundo. Aquele pequena cidade era o seu mundo!

Para eles importava apenas o que estava ao alcance dos seus olhos e de suas mãos! A realidade brutal e os atropelos das grandes cidades não os afetavam. Levavam uma vida tranquila, sem grandes planos, nem horizontes muito largos.

A miséria não existia, mas a pobreza sim, porém, esta nunca deu lugar à tristeza, mas a fé que sustentava o firmamento de esperança de cada um. Aceitava-se o que Deus dava, o resto era penitência!

O sol e a lua reinavam em horários diferentes e eram absolutos. Aquele firmamento ainda me reserva lembranças doces, por guardar em algum lugar, o céu da minha infância. Esta mania de sonhar de olhos abertos vem daquelas noites claras e quentes, vício do qual, nunca me livrarei. Como gostava de fitar aquela lua imensa com um sorvete derretendo nas mãos!

Aos domingos os homens desfilavam a casimira. Ia-se à missa com regularidade. A igreja tinha grande importância na vida de todos!

Temia-se a Deus e as dificuldades os tornavam mais íntimos do criador! Comungar, confessar, orar, fazer novena, fazia parte do cotidiano principalmente das mulheres. Muitas delas, filhas de Maria, algumas beatas, devotas e sinceras em seus votos.

A igreja se enchia aos domingos! Naquela época, era comum as pessoas se visitarem. Apareciam sem aviso na casa dos outos, para tomar café e prosear, como se dizia. Os assuntos eram sempre relacionados com o tempo, as estações, a safra, o preço da arroba do boi, da saca do café etc.. Nas eleiçoes, contudo, a monotonia era quebrada. A cidade fervia. Era assunto quente que durava meses!

As casas eram simples, com quintais com bananeiras, limoeiros, mangueiras e cajueiros de troncos tortos. As ruas de terra, a fazia ainda mais bucólica e tosca. A vida ali era uma foto em preto e branco que retratava a própria simplicidade e transmitia a ideia de vida bucólica, que todos nós temos das cidadezinhas do interior.

Os homens tinham também na maioria, profissões simples. Marceneiros, ferreiros, Oleiros (fazedor de tijolos), carpinteiros, pintores, pedreiros, agricultores, peões, sapateiros, comerciantes e mecânicos etc. Contudo todos tinham em comum, uma alma limpa e rude, comparáveis à aroeira, madeira bruta daquela região e que nunca parece sentir o desgaste do tempo, posto que é dura, com seus veios ásperos como a natureza do lugar.

Tantas lembranças no arcabouço da memória! Uma das mais marcantes e que até hoje me traz calafrios, era quando, menino, ouvia, o dobrar do sino da igreja, anunciando o passamento de alguém. Era seguido de um pequeno trecho da marcha fúnebre. Todos parávamos para ouvir o comunicado e o nome da pessoa falecida. Se sabíamos quem era, ficavamos pesarosos, senão, a comoção era menor e a vida seguia seu curso, logo após o anúncio.

Ali nos finais idos de 50, fiz as primeiras imagens da vida que ainda resistem como fotografias envelhecidas, no painel da memória, um tanto quanto torturada.

Ainda ando por lá, ás vezes. Porém nunca mais vi, homens como aqueles do meu tempo, rudes, simples, de mãos calejadas, com braços de ferro, e almas gentis. Mansos de espírito.

Eram ao mesmo tempo, prestativos, subservientes, vergados pelo peso do acanhamento, da humildade e de pele sempre crispada de sol e submissão! Tinham muito orgulho da sua honra e por isso guardavam, na alma valores imensos, que penso se perderam no tempo. Nunca alimentaram sonhos de grandeza e não se sabe como, controlaram a cobiça, a ambição, por isso eram honestos, taciturnos e grandes trabalhadores. Com isso viveram suas realidades modestas de servir aos patrões, sem a menor proteção e sem garantias de futuro. Levaram vidas sem posses nem mágoas!

Iacanga da minha infância era assim. De uma horizontalidade e platitude, sem muitos altos e baixos, o que hoje faz falta ao mundo, tão pontiagudo, conectado e estressante.

Talvez, por isso, ninguém na cidade subiu os píncaros da glória ou fez algo que pudesse ser considerado grandioso. No meu tempo, pelo menos.

Iacanga, na verdade, ao longo da sua curta existência, nunca produziu um só ídolo ou um só herói, produziu apenas gente e isto basta!

Celio Govedice
Enviado por Celio Govedice em 04/01/2020
Reeditado em 19/11/2020
Código do texto: T6833905
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