Tio Vicentão

Para tio Vicentão, o mais belo

e longo caminho de volta nunca feito.

Ele chegou em casa perto do meio-dia.

Sempre foi assim: chegava sem aviso

e saía sem deixar rastro, despedidas

eram migalhas indignas de sua presença.

Tomou banho e se convidou ao almoço.

Usava bermuda jeans mais suja

que meus olhos infantes

jamais viriam na vida,

um sapato tão roto

quanto as estradas

por onde caroneou

e uma camisa amarelada

que fora branca um dia,

aberta a mostrar o peito cansado

de sol e estrada.

Almoçou. Descansou.

Cochilou sentado

no banco da varanda

como pareceu fazer

em todo banco

que encontrou pelo caminho.

De repente, acordou, levantou,

vestiu sua camisa cansada

dele mesmo

e calçou o tênis de meu pai

menos roto que o seu deixado

no batente de casa.

De pé,

pronto para mais uma jornada,

passou a mão na minha cabeça

e disse a meu pai: Zé,

vou na casa de sua mãe

daqui a pouco volto aqui.

30 anos depois, eu ainda espero.

Grouchesco
Enviado por Grouchesco em 15/10/2019
Código do texto: T6770302
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