REFÉM DAS MEMÓRIAS

Hoje voltei em busca de queimaduras de terceiro grau

Revirei gavetas e encontrei amigos e fatos marcantes

Lembrei-me do tempo em que urucu era colorau

Não tem rocha que não racha,

Que não ceda às marcas do tempo.

As sangas tomaram conta do rosto e do resto,

Com toda carga implícita e explícita a que esta palavra possa nos remeter.

Subitamente bate uma lembrança do futuro escuro,

Do deserto incerto, do amanhã encoberto.

O que seria do homem se ele conseguisse deletar fantasmas que o incomodam?

Faltar-lhe-ia inspiração.

Metade do meu coração é saudade, a outra metade é nostalgia.

É uma tristeza feliz, é uma dor soft,

Um aperto gostoso no peito,

Uma eternidade breve, um segundo a mil.

É um choro alegre, uma lágrima de amor.

É um entregar-se à paixão,

Um desejo no olhar, um encontro de plexo solar.

É estar preso sem ter grades, é estar livre numa espaçonave.

Saudade é como alicate de pressão, quando aperta, dói.

Deveria existir no peito um interruptor para desligar a saudade.

Mesmo no silêncio do claustro o homem nunca está sozinho.

Os murmúrios do silêncio incomodam, as noites andam muito devagar.

Você não tem pressa de passar

No barulho do silêncio você inquieta, passado estranho.

De secas profundas e águas rasas.

Amigo.

Túnel sem fim, rio caudaloso.

Inimigo.

Que incomoda mais do que a certeza da morte.

Confuso.

Passado do passado do futuro do futuro do passado.

Tirano.

Por que você não passa logo?

Órfão de pais vivos, de lutas sem glórias.

Passado presente.

Nada é tão atual quanto você, é impossível te formatar.

Passado é coisa do futuro e futuro é coisa do passado.

Amanhã é o passado que volta, que afligi, que conforta.

Estará sempre presente no futuro.

Preparamo-nos sempre para o futuro e somos, às vezes, surpreendidos pelo passado.

Por que você está presente o tempo todo?

Para de encher o saco, cara.

O que passou não passou, não ficou no passado.

De alguém presente de alguém distante.

De amores ausentes, de lembranças presentes, de futuro incerto.

De memórias amargas e doces recordações.

De sabor doloroso e odor agradável.

Que atormenta que domina o presente e determina o futuro.

De corpo e alma dilacerada e sorriso amável.

Que ronda a solidão no meio da multidão.

Das dores, das Marias, das chamas eternas.

De fantasmas, de algemas, de açoite, de ferro de marcar, de palmatória, do tronco.

Da depressão, do júbilo, da felicidade, de alforria.

De dias melhores, de sonhos, de esperança.

Eu te amo meu Brasil, eu te amo

Meu coração é verde, amarelo, branco, azul anil.

Quantas manhãs e tardes começavam com estes versos.

É verdade que o momento politico era outro

Mas para quem tem 10 anos de idade pouco importam os momentos políticos

O que importam são os momentos felizes, prazerosos.

O que importa é a ternura e a pureza de criança

As cores ideológicas da infância são as brincadeiras

O que importa é a hora da merenda

Colégio Estadual Lourenço Filho, fotografia guardada no peito.

Orgulho da sociedade crateuense

Templo do saber mais antigo do município de Crateús

Lugar de significados profundos e valores relevantes

Aí encontrei mais do que professores, mais do que colegas de classe.

Encontrei amigos, carinho e afeto que às vezes faltava até mesmo em casa.

Vivi momentos dos mais marcantes da minha vida

Meus pais me colocaram aí para adquirir conhecimento científico

O governo me deu um caderno e um lápis com uma borracha branca na extremidade.

Com minha irmã compartilhei um par de congas, ela usava o pé esquerdo e eu, o direito.

Com os colegas dividi muitas alegrias e algumas tristezas também.

A Educação Física era o momento mais esperado

Ou seria a alegria de uma aula vaga, da falta de um professor?

Ir embora mais cedo era sensacional.

E a hora da merenda, daquela marmitinha azul com arroz e sardinha?

É preciso lembrar que para muitos, aquela merenda, era a principal refeição do dia.

A hora do recreio também era muito apreciada

“Bacana” era quem podia levar um lanche para comer no intervalo das aulas

Muitas horas tinham cheiro de mimeógrafo e de kichute

Sempre tinha um energúmeno para perguntar: A próxima aula é de que?

Quem nunca se assustou com a chamada

No momento que sonhava com a colega amada?

E o frio na barriga na hora de ler em voz alta?

Ai que medo que eu tinha de fazer uma redação

As aulas de exatas eram as melhores, principalmente quando acabavam.

Bullying? O que diabo era isso? Na minha infância eu não tinha nome.

Apelidos eram apenas vínculos familiares carinhosos

Normal era a euforia na hora das provas, principalmente orais.

Falar em público, apresentar trabalhos na frente da turma era assustador.

Quando o professor pronunciava o nome de alguém, era um ranger de osso do uropígio ao cangote.

Na época em que aí estudei havia apenas o primeiro grau

O que corresponde hoje ao ensino fundamental

Naquele tempo o curso primário era realizado em oito anos

Mas eu gostava tanto do colégio que passei uma década por lá

Pois tive o privilégio de ser reprovado duas vezes em português.

Foi como se tirassem um pedaço de mim

Quando enviaram- me para outro colégio a fim de fazer o segundo grau

Após dez anos de intensa convivência e muita identificação.

Chegar da escola, largar tudo no meio da casa, correr para jogar futebol ou assistir ao balão mágico, não tinha preço. Eu vivia sempre no mundo da lua.

Passado querido, ainda bem que você não ficou no passado.

Saudades do futuro.

Alber Liberato Escritor
Enviado por Alber Liberato Escritor em 08/08/2019
Código do texto: T6715349
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