Saudades da roça com meus pais
Na imensidão que nasce e cresce num dia sem você
Tudo fica exageradamente mais do que deveria ser
Se o dia é um daqueles em que o amanhã não inspira
E ao contrário assusta e acusa sofrimentos que ainda virão
Nesse dia, sem você e triste eu me encolho no meu silêncio
Como uma espécie sujeita à presa acuada pela vida dura e sádica
Lanço até mão de sonhar acordado que eu e você podemos ficar juntos
Só para não te trazer para perto das incertezas de meus pensamentos
Só para te proteger de meus dias de luta contra minha desesperança
É a coisa fica mais ou menos como se segue
Não sei se sou eu ou se o dia está mais frio
Eu abro os olhos e é o mesmo que não assim fizesse
Ou ao menos não desejaria haver o dia para despertar
Eu não quero ver o sol pois ele alegre parece zombar
Na escrivaninha onde as folhas ficam esparramadas
Coisas escritas esperam nascer em mim mas eu revido
Eu suporto a dor calada e não a tagarelice de minhas obrigações
Eu olhos para a foto de minha amada e suspiro de tê-la ao meu lado
E me assusto que de tão ao meu lado a dor poder tocá-la
Então num gesto duplo de fechar os olhos e esquecer me afasto dela
Eu teço caminhos que me levam desses livros e dessa gente
E faço caminho inverso das coisas que me impulsionam a ter
E faço voltar para as coisas que me faziam ser
Numa estrada de chão eu caminho à tarde
Reconheço no arado de milho e da plantação de arroz da minha infância
e apesar das árvores altas e do vento que sopra, nada escuto
É mesmo, é tarde e agora sentado na beira da estrada eu me lembro
De ás vezes ver lá na curva o papai voltar para casa
Lembro da preocupação quando era muito tarde
E apesar da vontade de ir buscar o papai
Além da curva era algo que assustava
Depois de tanto tempo a curva me consola
De não me mostrar o que há para além dela
Eu sempre achava mais confortável esperar por meu pai
Ele sim sabia, ele sim sabia ir e voltar
O conforto de meu medo era a volta de meu pai
Depois que ele chega eu vou para dentro de casa
Que quando não se aprende a ir ao encontro e dar um abraço
Esperar já é uma forma de dizer eu te amo
Entrar na casa e deixar ser filho é uma forma de dizer te amo pai
Sentar na mesa e jantar em família é outra forma de dizer te amo mãe
Eu abro a janela à noite
Eu vejo as estrelas no céu, eu vejo a lua
Mas o que mais gosto de ver são os eucaliptos balançando com o vento
Eu vejo apenas o vulto preto de seus galhos se deixando soprar
E o vento, ah sim, eu ouço o vento agora
Me lembro que as noites de vento faziam solidão
As noites frias de maio, junho e julho faziam solidão em mim
É algo que se repete
Lembro que no ano passado eu estava na roça e liguei para a amada
Ela sabia que eu havia chorado mas sem saber de motivos
Tem algo em maio, junho e julho que me entristece
Me faz nascer a vontade de viver na roça
Eu nem sei se faz ter vontade de tê-la comigo
Pois é algo triste
Acho que é vontade de voltar à infância
De ser protegido
E de não precisar ser mais do que sou
Nos meus sonhos de homem eu moro numa mansão da cidade grande
Cheio de amigos, importância e família
Nos meus sonhos de criança
Eu tenho uma casinha na roça cercada de árvores
Em que toda noite na hora de recolher para dormir
Eu olho as estrelas e escuto o vento
E não existe despertador pois o papai e mamãe
vão me chamar para ir para a escola