Casa de minha infância
Atiro pedras no lago
Casa de minha infância, acordo
Onde estariam todos?
O sol desenha no céu os sentimentos de solidão
É domingo
Hoje é como lampejo fúnebre
Mera recordação
A casa cheia e o mundo
Dentro de uma conversação
A tarde de chuva dispersava melancolia pela janela
A velha cidade dos meus anos
Meu coração é teu por completo
Por completo é minha aquiescência
Fechara-se as portas do tempo, e a chuva
os odes, os cantos e a força impulsiva
De desejo pobre
Apagaram-se, lentamente nasceram
Novos rumos, uma nova paz
A paz que em mim existe, em mim se mantém
Longe da fumaça tóxica
Da velha cidade dos meus anos
Fúgido, mas eu vejo, Proust!
Agarra-te a minha mão, no que me dissestes do tempo perdido
Quando o céu sem estrelas deitou a minha angústia
Nas tuas palavras
E vi minhas esperanças se tornarem pó
As esperanças transparentes que se exalam
Do ar poluído do movimento constante de pernas
Sem rumo, ansiosas e frenéticas
Que tristeza feliz de não ter nada!
Que tristeza feliz de não ser nada!
Na velha cidade dos meus anos, lembro-me bem
Delineia-se em minha memória os tempos
De imagens figuradas e abismos do meu coração
dolorido
A manhã parecia um néon luminoso
Traduzindo aquele amontado de corpos sem vida
E minha prima, ela
Chamou-me a brincar na rua, caem violentamente
Com a chuva, do céu, a mão firme,
Quando subimos
A escarpa da montanha que só existe em imaginação
Maria, mantenha-se firme, teu medo corta as raízes
Que nascem do ódio e rompe as ruas sem movimento
da cidade pequena
Revelar-te-ei a verdade para que não te esqueças :
Em breve a visão turva e os ossos chocalham
Fatidicamente
Mais tarde caíam do céu as gotas de medo
Um gosto voraz de trovão cobrindo as relvas
(E o chão, e as paredes que não existem)
de quando o dia acabava.
Maria, não cansa-te agora, proscreva
Reascende a força que tu me dizias na manhã flácida
A bile de ânsia que ascendia de teu novo rito
Estávamos todos juntos agora, ao fim da neve
E a voz do meu primo, que dizia a todos,
enquanto fingíamos - Nobremente
o que em breve não seríamos mais
Do telhado caíam, lentamente
lagrimas saturadas pela paisagem e pelo cheiro
de asfalto molhado, que mesmo do lado de dentro
Penetrava nos escombros que não contam nada
Um pouco depois estávamos todos reunidos
E ali de cima dava para ver bem
Noite de fogos e alegria farta
Assim que amanheceu tivemos que ir
Para todos os lados, a margem da água
Refletia a torre gigante que atrás de mim
Projetava-se como uma terrível quimera
(Como uma terrível imagem sagrada)
Logo a rotina devorava minha contemplação
Logo estávamos todos, bem de perto
já pela calçada um idoso senhor perguntou-me as horas
Obrigado, senhor! Perderás o rumo ao certo e o guarda-chuva
Que carregas na mão não te protegerás da chuva que vem
Nem dos escombros do teu embate mortal
Com a vida
Doces agonias que desciam num frio que parecia
A verdade sem nenhum atraso, da árvore pintada de amarelo
Pintaram-na de amarelo há algumas eternidades em que eu ali via tudo
Cenas rasgantes e agônicas prenunciando a alvorada do inverno
Logo logo o inverno sai, e poderemos voltar à solheira
Aqui sinto a liberdade, logo mais, meu primo
Um cadáver quase se sobressaiu quando quase se fora
Meu cachorro quase interrompeu esse ciclo a que meu primo
Chamava de vida
O dia mais tarde surpreendeu-me,
Desenho bem, minha mãe
Olha!
Meu desenho parece uns trapiches salpicados, uma paisagem que canta
A margem de um rio sereno, à mesa retangular de minha casa,
A noite feliz
Logo eu e meu primo assistíamos horrorizados o fim da noite
Para uma respeitável senhora
Como um feixe de imagens fraturadas, o fogo que subia
A casa de meu cachorro queimava a ausência que ele deixava pela fumaça
Sobe a fumaça, sobe - A palha seca se vai aos poucos, sento-me a porta
Assisto logo o fim dessa hora de pulos, à hora do almoço
Quando chamava-me, minha mãe me dava um abraço caloroso quando saía a tarde
A cada ausência e a cada dia que estava presente, naquelas tardes, quando mais tarde
Mais tarde, não queria que escurecesse, as folhas da árvore, parecia ela mesma
Ter caído, mas que importa a árvore? se eu tenho em mim o som do tinir
Das louças de logo pela manhã, o bater das panelas e o canto à margem
Bem longe do meu quarto, mas perto do sonho, quando minha mãe cantava aos hinos de sempre
E um pouco de luz surgiu pela porta entreaberta
"Acorda menino, que o mundo não é só isso!"
Logo tu conquistarás os castelos da terra arrasada
Voz dos poetas, de longe, escuto
Desde a partida de maria, à terra desolada
E a escarpa da montanha cuja sombra ressurge
(Chega-me agora a sombra de dúvida que eu não vejo)
Proscrito e sozinho eu solto aos ecos da serra
Procuro a pedra que no meio do caminho, derreteu-se
O sol escaldante na voz de Walt Whitman
'Oh captain, my captain!'
Tenho todos eles
Sou todos eles e ao mesmo tempo
Um verso seco
Sem eco
Parece-se mesmo com a voz do futuro
O sino tabular da casa de minha infância
revelai
A poeira guardada nos livros da estante
Revelai
Homens ocos, homens de índole
Revelai
Oh céu de nuvens de sonho, céu de minha infância
Revelai
A casa de minha infância era grande como um mausoléu
A casa na rua que ia de um lado ao outro
E cortava as nuvens como um arranha-céu
A cor laranja rompeu o véu que cobre a verdade
Pela direita havia dor, a frente dispostas em quatro
os móveis brilhavam e o quarto estranho de minha vó
Que eu espiava pela porta
(O que havia alem das portas)
"Menino, não espia pelas portas"!
Logo saí para mais a frente, com minha tia
tudo o que vejo hoje é uma sala morta, minha tia
Que saudade tenho das tuas conversas!
Tuas brincadeiras
Inventavas infinitamente, com a criatividade que só a ti
Fazia parte
Um boneco de pano, cartões de natal
Ensinou-me a soletrar o mundo, e a mim existes
Como parte fugaz e eterna
Da casa de minha infância
Á direita haviam flores, cheiravam a paz
Apesar de não vivas
Um pouco mais, no túnel
Dos quartos escuros, brinquedos sem luz
Semi-apagados, amontoados de memória morta!
Os quartos que quase não entro
Ao fim do dia tornavam-se medo
Um quadro, mais a frente, verdade sem fim
Marcava as horas dos dias que se perderam
Subitamente perderam
Subitamente morreram
Subitamente romperam
O fardo da infância
que se projeta em minha alma adulta
Ergo aos berros a bandeira de honra
Da honra que não carrego e que, incrustada em meu peito
Traduzem as palavras dos homens
Das velhas palavras do mundo
Da casa de minha infância