Lembranças em preto e branco
Revirando meus peçuelos,
desgarrado de um álbum de família,
te encontrei numa velha fotografia
amassada e cheia de vincos
que se misturavam às rugas do teu rosto.
Num acinzentado de fundo
e amarelado nos cantos
então viajei assim de repente
era um filme em minha mente
enquadrado num retângulo
surrado pelo tempo.
Parei no tempo pra ver
Lembranças em preto e branco
nesta pequena figura
que em seu escasso branco, tinha alvura
a clarear minha memória.
Era a tua, era a minha, era nossa história.
Que à porfia desta ausência de cores
Trazia o som da tua voz, a chamar-me
ao findar do dia: Vem pra dentro !
- Chega de correria, não podes ficar no relento
Saí do que sou, saí do presente e de tudo
viajei num eterno segundo,
pra te encontrar no passado.
Mergulhei de corpo inteiro naquele velho retrato
que apesar de preto e branco,
amarrotado e até faltando um pedaço
tinha o calor do teu abraço,
e tua voz como se a estivesse ouvindo
teus velhos conselhos e acalantos
lenitivos na dose certa com pitadas de experiência
Embalado nesta paciência, eu acabava dormindo.
Fui ler atrás do retrato
para me situar no tempo,
e ver tua caligrafia sobre o tom amarelado,
traços do tinteiro borrado, e recordar teus escritos
Lembrei tuas cartas, teus ditos
em pautas de papel almaço, eram os mesmos traços
da velha fotografia. que um dia à distância disse:
- tenho orado por ti, desde o dia que partiste.
então um orvalhar que não contive,
embaçou-me os olhos borrando as letras de minha mãe.
Assim, a lembrança da nossa vida
de uma profusão colorida, limitou-se no tempo
a um registro em branco e preto
este retrato surrado, há tanto tempo guardado
passou a ser meu pequeno amuleto
que em sua rústica estampa, qual um sovéu
de couro cru e antigo
mas de valiosa serventia, guardado com muito gosto
não vai apagar aquele agosto, nem a hora nem o dia
mas se o minuano trouxer o frio do passado
teu abraço, será meu poncho e abrigo,
e viajarei contigo nas cores deste retrato.