DON'ANA

Era uma mulher do lar;

D'aquelas para casar

E que se quer sempre sua.

Que sabe bem seu lugar,

Pois, tem recato no andar

Quando passa pela rua.

"Don'Ana" tinha por nome

E um desejo que a consome

Desde que bem pequenina:

Senhora sem sobrenome,

De ser alguém tinha fome

Pois para tal se destina.

Noiva, era muito feliz,

Tendo tudo o que quis

Porque sempre do seu lado.

Por fim, para todos diz:

-- "A minha sorte eu que fiz,

Depois de tê-lo encontrado..."

Sim, entre quatro paredes,

Ei-la sem sedas e suedes

Em face d'ele despida.

E cheia de fomes e sedes,

Tal como sereia nas redes

Deixava-se ser possuída.

Era no mundo uma dama,

Mas uma puta na cama,

Tendo-se melhor mulher,

Do que quem no mundo puta

E na cama só computa

O quanto ou quando querer.

Mas, para sua surpresa,

Era bem da natureza

Do seu noivo, de primeiro,

Na mais pura safadeza

Após deixar a princesa,

Ir pernoitar no puteiro:

Contam à boca pequena

A alguma vaga morena

As visitas do seu amor...

Que sentiam até pena

Da noiva que ele apequena

Por não se lhe dar valor.

Que não o deixava em paz,

Dando-se como lhe apraz

E quando se lhe convém.

Vivia lhe andando atrás...

Mas, tanto fez; tanto faz:

Logo há-de passar também.

-- "Don'Ana é quem é Senhora!" --

Diziam cidade afora

-- "As outras, só vêm e vão..."

D'ele mais s'enamora

Havendo em conta que mora

Dentro do seu coração.

E, mais dia, menos dia,

Quem se deu tal ousadia

Mal s'engana de que a engana.

Há-de vê-la, todavia,

Desfilando fidalguia:

-- "É aquela que é Don'Ana!"

Belo Horizonte - 10 04 2018

RicardoC
Enviado por RicardoC em 10/04/2018
Reeditado em 12/04/2018
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