Os meus olhos fecham

E a mente sobrevoa,

E chega a um lugar conhecido,

Que já viveu, e agora é proibido,

Tenta a reconstituição,

Vendo sem ver,

Chamando imaginação,

Os cômodos concretos, que já estão no pensamento,

Vem junto com eles, as lembranças de momentos, quase esquecidas,

Como rasgos de memórias, de velhos sentimentos, como roupas torcidas,

E no esforço, tenta lembrar, aquilo que foi um dia,

A cozinha de manhã, de tarde, ou de noite,

A vó sentada na sala de estar,

Ou fazendo algum doce,

Como apenas ela sabia fazer,

Vendo a tevê ou a vida, passando lá fora,

Lembrando, quando dormia no tapete da sala, quando via o sol nascer n'aurora,

Quando via o carnaval passar nas ruas,

Bem longe, lá embaixo, e tão perto,

Vendo a alegria dos outros,

E retendo-a, sobriedade precoce,

A seriedade e o fatalismo do poeta,

Em seus primeiros anos de vida, diz sorte,

Ainda sem versar,

Voltando pra casa, passando por ruas vazias, depois de cada festejo,

Revivendo as poesias, que um dia criará,

Vendo-se no passado, que já passou,

Como em terceira pessoa, menos como o protagonista, e mais como o narrador,

Lembrando das alegrias, presas naquelas paredes e janelas,

Buscando o coração, como um sentinela,

Os olhos fecham, e me lembro de sorrisos, carinhos, ternura,

Lembro delas, que já não estão mais aqui,

Lembro que a vida acabou pra elas,

Lembro que ainda estão aqui, dentro de mim,

E este ainda que será pra sempre, até ao meu de-existir,

Lembro dos cafés da manhã que tomei ali,

Lembro daqueles olhares, tento lembrar das vozes, dos andares,

Lembro mais do jeito de rir,

Do que dos dentes cerrados,

Lembro de um "ano novo",

O único que passei na casa de minha vó materna,

Lembro um pouco, que a minha tia, que tanto amei, desejou-me a felicidade eterna,

E pensar, que pouco tempo depois,

Ela cairia numa espiral sem volta, de loucura,

Que levou dela, a sua alegria e brandura,

Que cavou em sua face a expressão mais dura,

Levando-a de nós, ainda jovem, e cheia de rugas pra criar,

A mente envelheceu rápido demais,

Chegou abruptamente no abismo da existência, entre o desejo da vida e da morte, e a desistência,

Não aguentou o peso do tempo, e deixou ser esmagada, às dores confessou, com o seu olhar sem norte,

Sua bússola quebrou, e a peste loucura despedaçou,

E o tempo passou, levando-a de mim, de todos nós, que a queríamos aqui, vivendo,

Algumas vezes, quando eu fecho os meus olhos, eu lembro deles,

Daqueles que em minha vida passou,

Que as suas vidas nos deixaram, saudades, que inflamam o coração, com todo o infinito do amor, ardendo...