Jabuticabas e o parquinho do tempo

De tempos em tempos o tempo voa,

Nos leva junto,

Nos desgarra da terra, das sensações do presente,

E crescemos,

E sabemos que crescemos,

E algumas vezes paramos para ver onde estamos,

De onde viemos,

Para onde vamos,

No vão do tempo,

Somos puxados, sem reclamar, sem rebeldia,

Não tem como, se os pés, se a alma, se tudo gira,

Se tudo é levado, se somos os nossos próprios relógios,

Nossas areias que voam e se perdem na imensidão,

E o coelho sempre mostra,

Sempre nos alerta que o tempo urge, que o tempo passa,

E sempre passará,

E somos passados, se nos acumulamos de passados, de lembranças, de vidas,

Enquanto morremos, enquanto a sorte nos leva,

Voltando um pouco, alguns anos atrás, quando eu era/um rebento que balançava numa tarde quente de infância,

Com os meus amigos, meus perfeitos anônimos,

Risos, suores, energia, jabuticabas em abundância, um chão de terra inteirinho delas,

A dor de barriga, esperada, prevista, mas tão adorada,

Tempinho sem medos, sem fronteiras, tateando o mundo, ainda alma,

antes da automação,

antes de nos tornarmos mais artificiais, mais ritualizados, mais enjoados das pequenas coisas,

Se muitos crescem e essas pequenas coisas ficam minúsculas, desprezíveis,

Se na vida adulta não aprendemos com a infância o que ela tem para nos ensinar,

Se sãos, os poucos que a levam consigo,

Ao soluço da vida, ao mistério, aos cestos cheios de porquês e vazios de substância,

As jabuticabas, doces como a infância,

Mesmo o seu sabor, mesmo a sua lembrança,

Sem ter um simples porquê,

A vida, a existência inteira,

De se vivê-la e sem esperar um motivo,

Em si mesma, tentando esconder da escuridão,

Tentando manter a chama acesa,

Tentando manter a criança que um dia fomos,

Tentando, e assim se define o ato de viver,

Tentar,

E não se deixar cair na tentação, de parar,

De esperar a morte chegar, ou de buscar por ela,

Se é tão fácil achá-la,

Se também é fácil viver,

Se deveria ser,

Carregando as pequenas coisas consigo,

Nunca se esquecendo do chão, das bases,

Do solo de sanidade,

De jabuticabas, risos, balanços, infância,

de saudades...