A morte de uma rua

Antes a vida passava por lá,

Brincadeiras, chuvas, a infância,

O circuito d'alegria tinha aquela rua,

Paradeiro obrigatório,

A alma sabia,

E o corpo lá ia,

E vivia aquele espaço,

Naquele tempo,

Quando estão em sintonia,

Mas o vento,

O vento uiva,

E o espaço despedaçou,

As lembranças começaram a povoar,

E as vivências começaram a morrer,

E as pessoas morrem,

Outros amores também,

E as casas perdem o sentido,

O fluxo da água muda,

E o rio morre,

Como uma rua,

As árvores perdem as folhas,

Ficam menos verdes,

Caminhos se perdem,

Redes se vendem,

O eco de uma lembrança,

No assobio do vento, de outras épocas,

A seca saudade,

Farto de lágrimas,

Que derramam dentro,

A alma se encharca,

E eu aguento,

Que a rua morreu,

E a vida passa,

E o poeta...

O único que a segue,

Fanaticamente,

Sempre em busca dela,

Quer chamar a todos,

Quer contagia-los de melancolia,

O passado não foge,

Nós que fugimos dele sem saber,

Nós que matamos ruas, calçadas, histórias,

Cheiros daquele tempo,

Nós que nos matamos,

Na inglória, no momento,

E os momentos passam por nós,

E os deixamos,

Também somos passados,

Toda lembrança é um pedaço de nós,

O tempo passa,

E nos despedaçamos,

E as ruas morrem,

No sorriso que entristece,

Na tristeza que ilumina,

A vida...

Tão frágil,

E somos tão ásperos,

Somos de cristal,

Temos ossos fracos d'alma,

Mas pensamos que somos feitos de aço,

A poesia salva,

A melancolia foi o que sobrou,

Daquelas ruas,

Daquelas chuvas de tarde,

Daquela infância pequena,

Da alma, cada vez mais carcomida,

Do abrigo, cada vez mais sozinho,

A morte de uma rua,

Nem que vivesse pra sempre,

Não mais lembraria,

Agora eu passo por ela,

Frio,

E ela fria,

Mas por dentro eu sei,

Que essa rua já foi minha,

Que eu já fui dela,

E eu passo por ela,

O tempo parou nela,

E os meus passos passam,

Rasgando as suas calçadas,

Indiferente,

Mas por dentro,

Tem um rio de saudades,

Jovem, vivendo o presente,

Sussurrando histórias,

Jurando eterna lealdade...