Das minhas saudades
- - Das minhas saudades - -
Do meu céu de maio, o do sul
(Também um pouco do abril)
De uma velha carroceria de caminhão
Que só em casa é que havia
- Bem no meio do quintal -
E dentro dela um pedaço de praia que eu fazia
Com os óculos de sol de algum irmão
E olhava aquele azul e as nuvens gordas
E nem sei no que pensava
Porque era um tempo do não pensar.
Dos pés de couve da horta de minha mãe
(saudade de folhas de couve...)
Cor, tamanho,textura
- nunca vi tão grandes e belas -
Sabia colhê-las mas era a mãe a colhê-las
(já naquele tempo não confiava que eu pudesse)
“É que tem que ter jeito no cortar do talo, fia”
Mas era eu quem as levava ao verdureiro
A mãe tinha vergonha
(já naquele tempo não pensava que eu soubesse)
E as vendia por poucos trocados
E, com eles, outras poucas iguarias
Seriam elas ou, de novo, as couves belas
No almoço e no jantar.
Do pomar que havia em casa
Não das frutas mas do alto das árvores
Para onde as frutas me levavam
Dos galhos forquilhados em que sentava
E descascava com as mãos, laranjas
- Sobe em laranjeiras quem seus espinhos sabe –
Abacate, pêssego, nêspera, goiaba
E seus altos, seus altos, seus altos...
E, se acaso, uma azeda depois de uma doce
Ah! A sofreguidão de adoçar com mais duas ou três!
Depois descansava, boca doce, alma leve,
E me preparava para descer do voar.
Do meu telhado
Do meu telhado
Do meu telhado
Não há, no meu mundo, saudade maior.
De toda a história da minha vida
De toda a conturbada trajetória
De todos os lugares onde estive
Em realidade, pensamento ou sonho
No íntimo do mais íntimo desejo de regresso
É para ele, sempre, que eu quero voltar
Até hoje não entendo, e nunca, nunca entenderei
Porque desci do meu telhado
Para ver a vida, cá embaixo,
Se nesta vida, em toda ela, não cabe um segundo
Do eu que havia naquele lugar
A minha alma é marrom como aquelas telhas
Que era de sujeira, umidade e velhice
A sujeira eu não via, nem umidade, nem velhice
O que eu via, e sentia, era que ali eu me cabia
Ai, que pena! Ai, que dor! Ai, que lástima!
Ter partido, crescida, sem o poder carregar.