perdão impossível
quando você veio sedenta
por meu perdão
a raiva dominou-me
depois de tudo
você queria morrer
sem nenhuma
culpa
pensei em deus
pensei no último apelo de meu
pai
pensei na sábia
velha
com seu reumatismo
a dar significados tortos
em gestos retos
e, arfando pela
orfandade que me pertence
neguei-lhe, então
a última dose de
redenção ou de placebo.
neguei-lhe com ponto final.
matutuva: pra quê a essa
altura meu perdão ?
no fundo abismo
o mais alto penhasco encontrava com
o horizonte
e dialogava sobre as nuvens de ontem
mas hoje chove e troveja
o final da tarde morre
sem ver a noite
perdoar, não perdoar.
esquecer, jamais esquecer
eu não lembrava mais do tamanho
da ferida
nem da dor,
elas já me pertenciam
era parte de mim
o gemido fazia parte de minha sinfonia
ninguém chega ao dó maior
senão sofreu essa agonia fina
se eu soubesse
que hoje sei
tinha lhe perdoado
lhe perdoado com vírgulas
tinha lhe absolvido
do tribunal de minha consciência
mas eu era só martelo erguido
era sede de justiça
era foice cortando o campo
abrindo caminho
trilhando o mundo
no fundo, nunca tive
certeza se iria sobreviver ...
e, esse medo,
esse pavor violento
que nos adentra pelos flancos
e nos estupra
a dor de ter nascido
que era imperdoável.
você podia ter partido
mas não me deixar me
sentir sozinha.
depois, descobri
que só há solidão no mundo,
mesmo em meio a multidão
esfusiante
e, aí, consegui ver
que a sua dor envaidecida
era a dor dos partiram
e, jamais poderiam voltar.
e sabiam disso
o tempo todo
o que você queria
desejava, ansiava
era um
perdão impossível
tão raro quanto as pérolas
que você usava.