A bela bonequinha: Uma reminiscência

(À minha irmã)

A bela bonequinha, outrora tão querida,

Agora se senta inerte, abandonada;

Assim permanece após anos, intocada,

Desde que pela dona se viu esquecida.

Eu mesmo lembro-me bem daquela criança

De róseas bochechas, róseo vestidinho –

Qualquer um que lhe estudasse o rostinho

Em seus olhos veria escrito: “ESPERANÇA”.

Lembro-me também de vê-la, alegremente,

Com a mamãe e o papai a passear:

Ao sentarem-se à relva para descansar

Brincava ela com seus brinquedos, sorridente –

Dentre todos, porém, era a favorita

A bela bonequinha, alva, de porcelana

(Que, salvo engano meu, chamava-se Ana);

Sua “querida filhinha tão bonita”.

Quando o Sol se punha, e a noite vinha,

As brincadeiras para o outro dia deixava

A amável dupla, e a linda garota dava

Mil beijos de boa noite à “filhinha”.

E assim ia seguindo a dupla, inseparável;

A garotinha e Ana, a vida inteira

Em eterno sonho, eterna brincadeira,

Num idílio infantil tão agradável.

Eis que um dia, após um beijo derradeiro,

Ao despontar a manhã, a garotinha

Saiu, sem levar a bela bonequinha,

E para o lar não retornou o dia inteiro.

Um dia virou dois, e três, celeremente;

Numa semana em seguida se tornaram.

Semanas, meses, anos se atropelaram

E a menina – não a viram novamente.

Há quem diga que simplesmente cresceu,

Deixando para trás os jogos do passado;

Um triste rumor (triste, porém infundado)

Roga que a infeliz garota morreu –

Mas seja lá qual for a verdade, o que importa

É que, sentada inerte em sua cadeirinha,

Parece esperar a bela bonequinha

Pela dona uma vez mais abrir a porta

Do antigo quarto, como no passado

Tantas vezes sem falha acontecera,

Surgindo exatamente como era

Sem que o tempo a tivesse alterado.

E segue, estoica, ainda hoje, a esperar,

Mesmo que a porta permaneça ainda fechada

E, em meio a poeira e bolor sufocada,

Ninguém há que dela venha a se lembrar;

Espera pela derradeira despedida,

Espera um derradeiro gesto de amor –

Espera, paciente, o tempo que for

A bela bonequinha, outrora tão querida.

(17 de janeiro de 2023)

Galaktion Eshmakishvili
Enviado por Galaktion Eshmakishvili em 18/08/2014
Reeditado em 18/01/2023
Código do texto: T4927779
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