Notas de um observador da Pequena elevação no sopé da montanha
Fazes que é face,
a tropical fase
calorosa da dança
que encanta a vida na cidade.
Tantas pernas em movimento
pra lá e pra cá, vão e vêm.
Testamento nas mãos habilidosas,
homem de terno e gravata,
alva cabeleira, mas discreta,
anda com pressa.
Do outro lado vejo a mulé
com seus traços nordestinos,
vestido florido, pele queimada,
voz um tanto aumentada,
sorriso feliz em sua boca,
Moça bonita...
Ando uns passos e vejo o branco,
alvo, quase transparente no espaço,
Suando muito, “que calor danado”.
Ele veio do sul...
No meio da rua, no semáforo,
há um pobre a pedir trocados.
Roupa rasgada, desbotada,
pés imundos.
Que descuido da sociedade,
ter essa ferida aberta.
Em meio a esta cidade
ele é parte (não margem)
do sofrimento constante...
Anúncios, convites tentadores.
Morenas, loiras, negras, estarão à noite
esperando os homens abonados
para gastarem o dinheiro ganhado
com o suor do trabalho duro...
No barulho da loja em liquidação,
há um infeliz que tudo compra.
E no cartão se afoga em contas,
nunca viu tal promoção.
Fim do mês, faltam recursos.
Sua vida voa,
perde tudo,
já é sem pompa.
Que inferno esse nas ruas.
Mas chego a ambiente fresco
pra receber o meu vigor.
Lá parado o gerente.
Ao lado, crua fila de gente.
Sou cliente de tão pouco,
“Meu salário, meu sustento”.
Noutra rua há o velho
que fica parado olhando o movimento,
no portão de sua casa.
Vê o vento que farfalha as folhas,
ventar e mover o vestido da moça,
Vê a calcinha da mulher;
E vê o guarda multar o carro.
Diferente de tudo da cidade,
o velho observa tudo no seu canto parado.
Também há o menino que vigia o carro:
“Posso olhar, aê, tio?”
“Pode” – diz o homem esguio.
E ao carro se dedica o menino.
Não apenas a um, mas a vários.
Salário? Não tem!
Ganha apenas uns trocados.
Na próxima quadra, o ponto de ônibus
lotado, cheio de gente
indo pro trabalho,voltando pra casa.
Mulheres casadas, mãe de muitos filhos,
gente cansada, de cara amarrada,
e gente feliz da vida.
Quando chove, espremem-se debaixo da marquise pra não se molharem.
Outros, quando há sol, dormem nos bancos
esperando o ônibus passar.
No entanto, todos querem o ônibus.
Perto do ponto de ônibus
há o vendedor de doce, o pipoqueiro.
Nunca quis ser pedreiro. Quis vender doces
pra alegrar as crianças
que são tristes sem os doces
de abóbora, de leite, de banana...
Quanto doce perto do ponto...
Ah, olha a Igreja!
Ainda imponente no meio dos prédios.
Ela, sem tédio, com serenidade e paz,
sempre aberta aos velhos, aos novos, às crianças...
Mesmo que o barulho dos carros a invada,
conserva o silêncio em canção.
Num lado, a Senhora da Lapa;
noutro, eis São João Batista;
no meio,o altar da Salvação.
Seus bancos dispostos meio tortos.
No começo, o Alfa e depois o Ômega.
A Igreja de Cristo e de santos
que labutam na cidade serena.
Na antiga esquina
a chinesa, ou japonesa, sabe Deus o que é,
vende seu pastel de bom grado,
mas um tanto caro.
Nesse bulício vão mãos abertas, fechadas,
passos curtos, largos. Todos vão.
Cada um na sua jornada, acelerada ou retardada,
do jeito que a vida requer.
Mas o bonito é perceber nessas vidas
o que é o viver
traduzido em diversas formas:
tortas, retas... são vidas,
cada qual ao seu modo, caminhos,
no seu tempo e tom.
Talvez essa, um pouco exagerada,
não tão agitada e nem tão grande,
seja a vida na minha cidade.