Fazenda Olhos D'Água
Nunca me esquecerei das histórias contadas pelo meu pai.
Homem de uma memória extraordinária.
Nunca me deparei com pessoas que acumulassem
tanta informações e detalhes sobre a história
de nossa família como José Pinto Filho.
Seja cavalgando, em sua companhia, léguas de distância
neste sertão desbravado por Inácio Correa Pamplona
e José João Pinto da Cunha, patriarcas dos Paim Pamplona
e dos Pinto da Cunha de Corguinhos ou, na sala de sua
centenária Fazenda Lagoa Redonda.
Nunca me esquecerei dessas memórias por ele proclamadas.
Quantas coisas sonhei, pensei, desenhei, escrevi e vivi... ao ouvi-las.
Nunca me esquecerei das histórias
contadas por meu Pai,
que todos carinhosamente
chamavam-no de Tio Zezé.
Naquelas manhãs,
no vale de Olhos D'Água.
Na fazenda de Vovô Zé Pinto
antes do nascer do sol,
o engenho já girava.
Melado com farinha no sereno
já dominava.
O cheiro do curral no leite
jorrava teimoso no café...
Os bois em cadência
mascando e remoendo
indo para roças felizes.
Ao lado do engenho
as tias apavoradas
na arrumação de um porco.
Vovô rasgando pele queimada
para os tira-gostos
que nunca tirava.
E no salão da fazenda,
depois de uma peneirada
de biscoito de polvilho
com café, leite ou chá,
as fiandeiras falavam
fiando novelos de diálogos.
Já nos tachos
o melado perdia o cristal amarelo
e os engenheiros da rapadura,
bravos e impacientes
gostavam sem querer
que vovô comesse
da escura rapadura pura.
Ali na manga,
os porcos garimpavam
milhos no palheiro
e o canto de um galo
se misturava ao pio de um inhambu,
causando a preguiça do almoço
já dominado.
Naquela imensa casa
a família nascia e crescia:
a Irondina,
o Argemiro,
o José
e o Isoldino.
A persistência de vovô
crescia no engenho, na casa, nas roças.
Crescia naquelas pedreiras dos bagres.
Naquela terra puro calcário
que outrora criaram musgos e orquídeas,
perturbadas pelo fole da oito baixos
que vovô tocava!
Vovó Salvina partiu mais cedo,
Mas vovô casou-se com Albertina
que meu pai ensinou-me
chamar de vó Albertina.
Com ela, vovô
Trouxe outras manhãs que nasciam e cresciam:
a Maria
a Nérea
o João
e a Tita
Nunca me esquecerei dos relatos de meu pai.
Daquelas manhãs
que eu parecia ter vivido.
Das auroras
que meu avô chamava de barra do dia!
Dos tira-jejuns!
Do feijão no torresmo com ovos fritos.
Uma cachaça
e outras nervosias*.
Ah! Fazenda Olhos D’Água!
Quantas águas correram em suas telhas?
Quantas madrugadas desaparecidas?
Ah! Fazenda Olhos D’Água!
Do Vovô Zé Pinto.
Hoje somente retalhos de sua existência
na memória daqueles que lá viveram
e no gorjeio de pássaros
que cantam restos de sonhos.
Memórias de um passado
Cantado... contado pelo meu pai.
Que jamais passará
Que jamais esquecerei!