saudade enorme
saudade grande
estufa o peito sem oxigênio
a guardar lembranças, flores dentro de livros,
fitas dentro de bolsas,
um pequeno guizo do gato que já morreu
saudade grande
gigante malvado, a pisar por dentro
forte e compassadamente
e a cada passo seu, uma ruína se abre na memória
o cheiro das frutas da infância,
o primeiro dia de chuva engraçado e, não triste
a primeira professora,
a carteira onde desajeitadamente sentei-me
e, com ânsia fincava minhas esperanças
naquele lápis negro.
saudade grande
dos amigos que partiram sem dizer adeus,
da família que deveria ter,
mas nem tenho
das flores que recebi em bouquets
e, não nas primaveras da vida
saudade grande
alucinante,
entorpecente
a tirar-me do foco presente,
a tropeçar em reminiscências contidas no debrun
de uma jaqueta velha,
um botão perdido,
um anel partido,
um sapato furado.
Um meia mesclada e manchada
que esconde hoje ,
a beleza que havia.
saudade de teus olhos azuis
da tua fisionomia de mármore carrara
de tua inflexão cerimoniosa
em dizer bom dia
e depois de partir
nem às mãos concedeste o direito
a um breve aceno
esquecido foi o lenço de bordado inglês
com sua inicial bordada
e a lembrança borrada da sua rejeição
saudade grande
meu corpo entorpece
minha mão trêmula
aperta o vestígio do passado
e num toque mágico
me liberta da culpa
de desejar o impossível
voltar ao tempo ido,
e não lhe perder
voltar o tempo
e não sucumbir ao abismo
voltar ao tempo
feliz das primaveras e outonos
onde o barulho das folhas secas
só nos lembrava as frutas maduras
à espera de serem colhidas.
voltar ao tempo para
me resgatar da saudade
que me engole.