Jamais-vu

Você me diz que pode ser feliz.
Usando a fantasia,
vestindo paetês
e colorindo-se de purpurina.

Eu lhe digo que pode ser feliz.
Sem fantasia, sem realidade
sem brilho e nem vaidade.
Você ri de mim...

Sou prosaica...
Arcaica tanto
quanto seus pais.
Primeiros arquétipos.

Você abre a janela para
enxergar o dia.
Eu abro os livros para
iluminar meu dia.

Luzes diferentes.
Cores diferentes.
Seres diferentes ainda que providos da
mesma humanidade.

Se eu não acredito mais
nas antigas coisas e crenças.

Você ainda tem o frescor dos que
entusiasticamente
debutam...

A primeira dança.
O primeiro amor.
O primeiro poema.
A rima acidental do
lirismo certeiro
e cotidiano.

A primeira taça de vinho.
A primeira vingança.
A tragédia surda entreolhada
pela multidão.

Enfim, somos tão distantes.
Como dois pontos numa reta.
Como duas paralelas
que não se encontrarão no infinito.

O cais está fechado.
As amarras foram cortadas.
Todos estão perdidos no imenso mar.
A piratear emoções...
A contrabandear sentimentos
que reluzem feito ouro...
que refletem a imagem do outro.

Por que se apaixonam pelo espelho?
Por que as dúvidas são mais saborosas
que as simples respostas...

E, se a cada resposta
nos aproximamos mais da morte.
Do corte final da energia vital.

Do fim de tudo
que apesar disso
é apenas mais um recomeço...

A vida é cíclica.
Os momentos são cíclicos.
A descoberta de um é
o déjà vu de outro.

Desejamos o inédito.
Mas tudo não passa
da última reedição do
óbvio passado...

Não existe o jamais-vu.
Definitivamente não existe.

O que nos surpreende
ou é falha de memória
ou de percepção.

E aí, você escolhe:
ser ignorante ou
ser distraído.
 
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 01/03/2014
Código do texto: T4710990
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