"sobre os dois anéis"
quando eu nasci...
havia dois anéis em meus dedos,
juntinhos assim,
em forma de infinito.
e eu nem queria crescer...
mas então veio o tempo. cresci.
muito aborreci-me com isso.
entretanto, fiquei menor do que o chão...
foi quando um dos anéis escapou-me da mão.
e deixou marcas de amores.
e, apenas assim, compreendi eu...
que aqueles anéis não são eternos.
e guardei a minha menina que brincava...
de passar anel,
nas ruas de minha garotice.
ficaram as marcas... beijo-as sempre.
e guardo os beijos e as marcas...
na minha caixinha de casulos e borboletas.
cresço ainda à cada dia...
e voltei eu a ficar ainda menor do que o chão.
tenho eu apenas um anel... o do hoje.
ainda daqueles...
que tinha eu quando nasci.
de uns tempos para cá...
deu-se ele a escapar-me das mãos!
e então atropelo gestos e falas!
apago todo o nosso preto e branco...
e pinto tudo colorido.
mas o cenário onde piso...
é um chão gigantesco e quente!
uma enorme folha de papel... marché.
e chove... e é mormacento...
e desfazem-se os meus desenhos coloridos todos na chuva.
ando eu a segurar o meu anel...
só restou-me este.
fico de cócoras, então...
e oro... por vezes, choro.
e fecho eu os meus olhos e fico menina.
e retorno às ruas da minha garotice.
e brinco de passar anel.
mas prendo-o!
entre as minhas mãozinhas meninas.
não passo-o!
eu gostaria mesmo de gurdá-lo... escondê-lo.
nos recônditos dos avêssos meus...
onde ninguém ousa entrar.
mas está a escorregar-me...
o meu único anel.
pelas pontas dos dedos...
pelos versos tortos meus...
pelos olhos meus, tão teus.
a gente não deveria crescer...
é suposto perder esses anéis.
mas eu serei sempre a tua menina...
todas as vezes que retornar eu
à menina de mim.
Karla Mello
26 de Janeiro de 2014
http://karlamelopoemas.blogspot.com