Saudades
Com Canela

 
Fim de ano
Mais uma vez
E me flagro com saudades invadindo meu ser.

Prometi a mim mesma
que não teria mais choro nem vela
Apenas momentos singelos.
Pequenos tesouros só meus
Que me fazem
recordar e reviver
Momentos inesquecíveis que jamais voltarão
Enquanto eu viver.

Meu destino é a cozinha
Lugar perfeito
Para um encontro 
Com minha Mãe.
Preparo uma banana da terra
Frita na manteiga de garrafa.
Um dos pratos prefreridos
Que ela adorava degustar no café da manhã
Ou até mesmo à tarde.
Adocico aquele ouro levemente com açúcar cristal
E generosamente espalho canela por cima.



A cada garfada
Lembro da minha Mãe.
Detalhes como seu sorriso 
E aquele brilho intenso e vivo no olhar.
Não resisto.
Levanto e boto o CD do José Augusto
Bem na faixa da canção predileta dela:
Chuvas De Verão

A música me convida a cantar.
Porque não? 
Se o vizinho que canta mal pra caramba
Esguela feito louco,
Porque eu não?
Canto em homenagem à minha Mãe
A fim de matar a imensa saudade.
Pena que não chove agorinha
Aí sim,
Seria conspiração.
Não divina mas,
Maternal!

Meu banco no quintal me aguarda ...

Me entreteio na sombra fresca com o jornal A Notícia.
Não é o Estadão de domingo do meu Avô João
Mas, o cheiro é o mesminho.
Meus dedos viajam pelas páginas 
E se borram.
Cada um deles.
Hoje, trajo óculos,
Assim como meu Avô anos atrás.
Meus olhos pairam sobre um artigo maldito
de políticagem
Que desde a partida do meu Avô  
Mudou em nada.

Qual era a religião do meu Vô?
Durante a semana: Muito Trabalho!
Só Trabalho!
Se acostumou.
Como não, com nove filhos pra criar.
Mas, aos domingos:
O Estadão, futebol, uma única dose de cachaça
e seu cigarro Minister 
Além da conversa fiada na padaria
Com os amigos e vizinhos.
Bar? Nunca! Jamais! 
Meu Avô era um homem de família
E bar não pegava bem na idade dele.
Na certa sofreu alguma punição divina
Pelos pequenos pecados. 
Uma passagem bem rapidinha pelo purgatório 
Mas,
E dái!
Fichinha pra fiel torcedor Corinthiano.
Não é mesmo?
Só queria saber o que aconteceu
Com o radinho de pilha,
Seu companheiro inseparável.
Na certa, quem confiscou jamais contará.

E agora? O que houve?
Uma pipa desvaneia e vem parar no meu quintal
Interrompendo a minha leitura. 
Logo atrás vem um bando de caçadores. 
Não me parecem pré-aborrescentes arruceiros.
O silêncio e aquela inocencia
Toda estampada na carinha deles
Entrega que são amadores
Na arte de empinar pipas.

A pipa toda pomposa
Ainda tenta bailar
Mesmo presa na sua própria armadilha.
A cada sopro da brisa matinal 
Naquele pé de acerola carregado. 
A rabiola longa, colorida e perigosa
Serpenteia e enforca alguns galhos
E decapta alguns outros sem piedade. 
Garotos danados!
Passaram cerol na linha
E a minha árvore paga o pato!

Apenas um corajoso aproxima.
Dou aquela olhada básica nele.
Corajoso eu disse?
Que nada!
Tem mais cara de pau mesmo.

Educadamente pede permissão pra entrar.
O meu olhar responde que sim.
Sem fazer cerimônia ele entra.
Pelo menos não invadiu.
Me levanto
E vou logo lendo o bê à bá
Num tom meio que brabo
Só pra meter um medinho
Que nem minha Vó Joana fazia:
"Será que é mesmo sem noção moleque?
Não sabe que cerol corta? Até mata!?"
Perdeu o rebolado todo,
O tal caçador de pipas.
Agora me sinto uma verdadeira bruxa.
Mas, a compaixão fala mais alto.
Quebro o gelo com um sorriso,
Coisa que minha Vó jamais faria.
Meu DNA veio um pouco alterado
Mas não adulterado.
Peço pra esperar um pouquinho
Sem esquecer do 'Por Favor'.
Entro e pego alguns docinhos.
Coloco tudo num saquinho
E entrego ao menino
Antes de partir digo
"Toma aqui.
Não esqueça de dividir com seus amigos,
tá bom?"
Vejo seu rostinho reluzir.
Seu sorriso maroto escancara
E sua boca produz um agradecimento que soa sincero.
As palavras parecem um vesinho,
quase que cantado
e chegam aos meus ouvidos:
"Obrigada Tia! Feliz Ano Novo! Valeu!
E pode deixar, não vamos passar mais cerol não".

A manhã mal começou
E já matei um pouco daquela saudade
Que sufocava o meu peito
Uma leveza divina toma conta de mim
Sinto que posso prosseguir
Sem temer 
Sem sentir só
Para viver os últimos dias de 2013 em paz
E recordar com carinho e saudade
Daqueles que ainda tanto amo!




OBS: Acordei saudosa
e o mundo conspirou ao meu favor
mais uma vez!
Tudo isso ocorreu entre
8:00 - 10:45 da manhã
desse domingo,
dia 29/12/2013. 

 
Calada Eu
Enviado por Calada Eu em 29/12/2013
Reeditado em 30/12/2013
Código do texto: T4629298
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.