Desenhando letras
Folheio as páginas,
viajo conduzido pela
cor escura de cada letra
carimbada nos brancos
antes quase inconspurcáveis...
Não sou eu nessa jornada
quem decide o rumo
―rota já traçada
por “eles”?
Sigo assim mesmo
desenhando letras
(sonorizando-as
, silenciosamente)
neste pergaminho,
tinta diluída
em ácido muriático...
Por que o tempo não parou,
se tanto me desesperei por isso?!
Por quê?!
O Trenzinho Pata Choca
seguiu, extinguiu-se... até
as saudades da locomotiva
e seus vagões foram perdidas,
quase nem foto restou...
Aposentaram o Almirante Alexandrino,
nem em objeto de museu tornou-se,
senão um belo bem perdido...
O Presidente Vargas
dorme um sono líquido
dentro das turvas águas frente a Soure.
Do Cine Guajarino, nem projetor
nem fachada do belo prédio,
nada restou, só desconsoladas
memórias de sobejo.
O imponderável infunde
em minhas evocações
estampas fluidas das piscinas
do Netuno Iate Clube, ASCB,
Fazenda Clube...
O silêncio do Praia-Bar
e da boate Ressaca me comprime
o peito, quase me impede
de persistir...
A sensação do já-ter-tido
e do não-ter-mais crava-me
um veemente punhal
na mente...
O que fazer com o que sinto?
Como trazer de volta o que se perdeu?...
As letras que ora desenho
nublam tudo.
Em um átimo, todas as evocações
descambam em remoinho...
...ferro-carril... Faveirão...
...Interpass... Buretama...
...caramanchão do Bispo...
...biblioteca... Educandário...
...escolinha do padre...
...Catalinas...Zepelins...
...aeroporto e teco-tecos...
...Praia-Bar...Cine Guajarino...
...usina de força...
...clubes e campos de futebol...
...a bandinha Sempre-Serve...
...Carnaval na Praça...
...Expedição Africana...
...blocos de sujo...
...bicho folharal...
cabeçudos...
...homem lama...
...papaimamãe
vovótiosetias...
Pessoas, ideias,
espaços e tempos confundem-se
e povoam de casmurras sugerências
condoídas as páginas e letras
que desenho em minha mente...